quarta-feira, 21 de setembro de 2011

VIRTUAL STUDY

Text of the scribe Valdemir Mota de Menezes



I can not wait that schools reach the level of the first world schools or private schools of high standard that instead of notebooks and books, students have a keyboard and monitor to study. Imagine that we will use the audio-visual resources with much more consistency than today. Even today little is accessible to teachers to use audio-visual equipment regularly.



The homework should gradually be entered more than manuscripts. Should occur to improve the technique of digital over the technique of writing by hand. The keyboard will almost entirely replace the pen and pencil.



Programs with features like Power-Point should be standard in the presentation of papers. The papers will be delivered by e-mail and will be archived on blogs so that all students have access to the work of others.



I wish, when I could teach, could have a blog where we would have space to present a WebQuest with a theme to be worked and then the students should come and make comments here and how, these platforms Course Virtual History Unimes could employ this methodology in the class of elementary school students and high school.

JOVENS INDISCIPLINADOS

 O escriba Valdemir Mota de Menezes leu o texto abaixo e não concordou com a interpretação do professor Julio Groppa, pois os números da pesquisa de campo mostram que os alunos estão mutios rebeldes, desobedientes, irreverentes, desordeiros e transgressores, tornando cada vez mais difícil o professor lecionar, pois a desordem e o barulho quebra o clima para o estudo em sala de aula.

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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005

 

Jovens "indisciplinados" na escola: quem são? Como agem?

Julio Groppa Aquino

É sabido que a relação entre os jovens e as práticas escolares, nos dias atuais, é marcada por uma espécie de flagrante descontinuidade ou descompasso. Vejamos, de largada, ocasiões em que reconhecidos autores nacionais descrevem os efeitos dessa relação.
"Essas condições deterioradas [;da qualidade das escolas públicas brasileiras] , acompanhadas de um processo educativo descompassado dos sujeitos jovens e adolescentes, produzem como resultados o desinteresse, a resistência, dificuldades escolares acentuadas e, muitas vezes, práticas de violência, que caracterizam a rotina das unidades escolares" (Sposito, 2003, p.16).
"O espaço escolar, por isso, é visto pelos jovens de maneira ambígua: ora sobressai como um dos poucos lugares onde podem conviver com os amigos; ora revela-se como um lugar de conflitos, quer entre os próprios alunos, quer entre eles e os professores" (Cenpec; Litteris, 2001, p.46).

"A distância entre o mundo escolar e o mundo juvenil, com a conseqüente dificuldade de comunicação entre os dois, tem gerado um enfraquecimento da capacidade educativa da escola e favorecido uma socialização juvenil incompatível com os princípios éticos e democráticos. A escola torna-se, então, espaço da vivência da injustiça, do medo e da insegurança, quando não de pura reprodução dos valores racistas e sexistas de nossa sociedade, como demonstram inúmeras pesquisas.

Outras marcas dessa situação são a perda da motivação e o desinteresse dos alunos, além da precarização da qualidade do ensino como um todo, que tem levado a um baixo desempenho dos estudantes" (Corti; Souza, 2004, p.103).
A tomar pelas assertivas dos pesquisadores brasileiros da temática da juventude/escolarização, somos levados a reconhecer que temos diante de nós um quadro de ampla precarização e desagregação institucionais. Os efeitos, poder-se-ia dizer, são trágicos: desinteresse, desmotivação, baixo desempenho, fracasso, conflitos interpessoais, violência de múltiplas ordens.
Qual via possível para compreender tal estado de coisas? Eis, a seguir, uma possibilidade fecunda.
Em um texto lúcido e desconcertante, o eminente sociólogo François Dubet (1998) oferece uma análise arguta da contemporaneidade escolar francesa, a qual poderia, sem excessivos riscos de generalização, ser transposta à realidade brasileira.


Segundo ele, desinstitucionalização é o termo mais profícuo para designar as transformações dos "modos de produção dos indivíduos" nos atuais contextos societários. Isso porque uma instituição (escola, família, igreja etc.) seria definida como o conjunto de papéis e valores que fabricam individualidades por meio da interiorização de seus princípios gerais.


No que diz respeito à escola, Dubet suspeita que ela não mais deve ser tomada, a rigor, como uma instituição, visto que "cada vez mais tem dificuldade em administrar as relações entre o interior e o exterior, entre o mundo escolar e o mundo juvenil. (...) A tensão entre o aluno e o adolescente está no centro da experiência escolar" (p.28).
O sociólogo francês é taxativo. Tal modelo clássico de organização institucional teria se desestabilizado, dando lugar a uma crise progressiva que se desdobra em dois eixos: da escola fundamental à universidade, e dos grupos mais favorecidos aos menos.
O diagnóstico de Dubet para a propalada disjunção dos universos escolar e juvenil ancora-se na constatação de que o sistema escolar não mais oferece um verdadeiro enquadramento da vida juvenil, o que faz com que os adolescentes e jovens consigam mais "construir experiências do que interiorizar papéis" (ibid.).


No cenário institucional clássico, a personalidade individual (o jovem) posicionava-se como fundo ao passo que o papel institucional (o aluno) despontava como figura dos processos de socialização. Aqui, a crise anunciada revela-se de acordo com a seguinte equação: "No curso dos processos de desinstitucionalização, a personalidade pensa antes do papel. É ela que constrói o papel e a instituição" (p.31).
Pela trilha aberta por Dubet, é possível afirmar que a crise escolar contemporânea encontra sua expressão máxima no fato de os alunos terem de construir por si mesmos o sentido de sua vivência escolar, antes assegurada pela adesão aos lugares e papéis da institucionalização escolar.
Daí que a construção da subjetividade juvenil, antes contígua à vivência do papel discente, dar-se-ia agora num duplo registro: dentro e fora da escola. "É preciso crescer no mundo escolar e naquele do adolescente. Alguns o conseguem com facilidade. Outros, ao contrário, vivem apenas em um destes registros. Então sua experiência escolar se desfaz, ela não tem mais muito sentido se os professores não são capazes, por seu engajamento e seu talento, de construir as motivações que, via de regra, não são oferecidas aos alunos" (p.29-30).
Vejamos as vicissitudes da relação juventude/escola na atualidade, ou seja, as  quatro possibilidades de desfecho apontadas pelo sociólogo sob o timbre da "experiência subjetiva de formação de si":
1) a justaposição da subjetividade ao papel discente - quando "se percebem como os autores de seus estudos, suas paixões e interesses convergem, têm o sentimento de se construir e de se realizar nos estudos" (p.31);
2) a dissociação entre subjetividade e papel discente - quando "os indivíduos se formam paralelamente à escola e se adaptam à vida escolar não se integrando. (...) Estes alunos que se colocam entre parênteses, que desenvolvem condutas ritualísticas, sem verdadeiramente jogar o jogo" (ibid.);
3) a negativização da subjetividade pelo papel discente - quando "não podem jamais construir sua experiência escolar; que aderem com freqüência aos julgamentos escolares que os invalidam e os conduzem a perceber, a si mesmos, como incapazes. Neste caso, a escola não forma indivíduos, ela os destrói" (ibid.);
4) por fim, o antagonismo da subjetividade frente ao papel discente - quando "resistem aos julgamentos escolares, querem escapar e salvar sua dignidade, reagir ao que percebem como uma violência, retornando-a contra a escola. Eles se subjetivam contra a escola" (ibid.).
Tomemos a liberdade de designar, sem prejuízo conceitual, as quatro figuras discentes propostas por Dubet como, respectivamente: 1) diligente, 2) medíocre, 3) vitimizada, e 4) transgressora.
As quatro possibilidades de figuração institucional juvenil apontadas por Dubet não deixam dúvidas. Apenas no caso da figura diligente, amiúde rara e circunscrita a determinados segmentos sociais, temos algo que se aproximaria do efeito clássico da institucionalização escolar. As outras três seriam resultantes dos novos processos de desinstitucionalização escolar, nunca antes testemunhados com tamanha força. Ou então, que antes despontavam como efeitos colaterais, ou mesmo marginais, das práticas escolares cotidianas.
No que diz respeito às figuras medíocre (fruto da dissociação entre subjetividade e papel) e vitimizada (resultado da negativização da subjetividade pelo papel), temos aí, talvez, expressões fidedignas dos processos de exclusão pedagógico-escolar, em especial no segundo caso. Já no último, é patente a correlação entre a figura transgressora e o âmbito normativo-disciplinar. Trata-se daqueles alunos que, no mais das vezes, são tidos ora como "indisciplinados", ora como "violentos", ou, em ambos os casos, como "desordenadores" do cotidiano escolar.
É exatamente esse quinhão subjetivante que pretendemos focalizar daqui em diante. Quem são os "transgressores"? Como agem cotidianamente aqueles que se subjetivam contra a escola?

Uma aproximação concreta
Com o intuito de perscrutar alguns dos processos de socialização escolar juvenil em curso e, mais modestamente, os contornos concretos da figura institucional dos alunos "transgressores", realizamos uma investigação sobre a economia disciplinar de uma instituição escolar1, cujos resultados serão apresentados a seguir. O intuito é um só: examinar empiricamente as práticas discentes tidas como disfuncionais e/ou desagregadoras do funcionamento escolar cotidiano.
O contexto institucional pesquisado refere-se ao ensino médio de uma escola pública situada num bairro de classe média da cidade de São Paulo, a qual conta com um bom perfil organizacional: condições infra-estruturais adequadas, projeto político-pedagógico definido, quadro docente e equipe profissional atuantes. Quanto à clientela, típica de uma escola estatal, ela é marcada por uma delineada diversidade sócio-econômica.
Especificamente com relação ao ensino médio, recorte empírico da investigação, a escola conta com seis turmas, respectivamente, duas para cada série, as quais atendem um total de 182 alunos, subdivididos em 89 rapazes (49%) e 93 garotas (51%).2
Foram tomadas como objeto de análise todas as "ocorrências disciplinares" (leia-se, os encaminhamentos dos alunos para a coordenação escolar, a título de uma "providência" disciplinar) das seis salas de ensino médio durante um ano letivo. Trata-se, grosso modo, daquela gama de ocasiões que, por uma ou outra razão, envolveram transgressões explícitas da ordem escolar e que demandaram a intervenção das autoridades técnicas (mormente a coordenação pedagógica).
O trabalho inicial da pesquisa foi, então, o de converter os registros escritos de cada uma dessas ocasiões em uma espécie de "boletim de ocorrência", no qual constavam as informações relativas a: série, data, autor(es) da reclamação, alvo(s) da reclamação, reclamação, alegação do(s) reclamante(s), alegação do(s) reclamado(s), deliberação, agravantes.
Numa segunda etapa da pesquisa, a investigação concentrou-se nos seguintes temas: 1) freqüência das queixas; 2) alvos das queixas; 3) autores das queixas; 4) tipos de queixa; 5) deliberações formais.

A indisciplina cotidiana
Quanto à freqüência das ocorrências, elas somaram 93 durante todo o ano letivo,3 sendo subdivididas em 31 para cada série - o que nos leva a crer que não há diferença alguma no que se refere à equação série/(in)disciplina.
Em mais da metade dos casos, a ocorrência tinha como alvo um aluno específico - 51 ocorrências (55%). Outras 29 ocorrências referiam-se a eventos envolvendo dois alunos (31%). As restantes aplicavam-se a grupos de três (07), quatro (01), cinco (03), seis (01) e oito (01) alunos.
Um dado curioso refere-se às datas das ocorrências. Tendo em mente que o ano letivo recobre, a rigor, 11 meses, o mês de novembro foi o mais abastado em termos de ocorrências, com 20% delas - o que indica um aumento significativo das inflexões disciplinares por ocasião da aproximação do término do ano letivo. Os outros dois meses "difíceis" foram abril e setembro, respectivamente, meados dos dois semestres letivos. Vejamos o quadro abaixo:
Se levarmos em conta os 200 dias letivos, temos que houve, genericamente, uma ocorrência disciplinar a cada dois dias. No entanto, não há uma distribuição temporal mais ou menos homogênea delas. Ao contrário. Em determinados dias "tumultuados", as ocorrências se acumulam. É o caso de 28/04, 29/05, 25/08, 29/09, 19/11 e 24/11, os quais tiveram uma média de três ocorrências diárias - o que, pelo avesso, indica a existência de vários dias pacatos.
Quanto aos autores das queixas, das 93 ocorrências, 06 foram efetuadas pelos próprios alunos, 42 pelos professores, 45 pelo staff4, e 01 pelo cantineiro da escola. Mostra, talvez, de que boa parte dos eventos disciplinares não ocorreu necessariamente no interior das aulas, já que mais da metade deles foi reportada pelo staff (incluída a equipe técnico-pedagógica e os funcionários). Adiante entenderemos a razão para tal.
Mais um dado significativo sobre os professores queixosos: há disparidades quanto ao encaminhamento de alunos. Enquanto um docente é autor de mais de uma dezena de queixas, outros dois não o fizeram uma vez sequer. Cinco deles realizaram encaminhamentos disciplinares uma vez apenas, enquanto outros cinco entre três e seis vezes no decorrer do ano letivo. Talvez aqui tenhamos indícios de que, no quesito disciplinar, há uma razão diretamente proporcional entre o tipo de relação pedagógica estabelecida em sala de aula e o quantum de ocorrências disciplinares.
No que diz respeito aos alvos das queixas, temos que, do número total de 182 alunos, as ocorrências englobaram 73 deles. Isso significa que 40% dos alunos estiveram envolvidos em contratempos disciplinares. Um número significativo que, mais adiante, será atenuado em confronto com a natureza das queixas disciplinares das quais esses alunos foram objeto.
Desses 40%, quase um terço é composto por garotas - o que denota, talvez, uma derrocada do monopólio masculino quanto à imagem usual do fenômeno disciplinar escolar.
Vejamos os números agora dispostos segundo as três séries:
Há um dado instigante que se refere ao volume de ocorrências, por aluno. Se imaginarmos, hipoteticamente, que o número de até três ocorrências é aceitável (número previsto pelo próprio Regimento Escolar), temos que a imensa maioria dos alunos não atingiu esse patamar. Dos 73 alunos "indisciplinados", metade deles foi alvo de apenas uma ocorrência. A freqüência das ocorrências por aluno é nitidamente decrescente, como se pode atestar na distribuição abaixo:
É possível concluir que, do montante total de 182 alunos, apenas 15 (8,2%) poderiam ser considerados "indisciplinados", "transgressores" ou coisa que o valha.
Debruçando-nos mais detidamente sobre os "delitos" praticados por tais alunos, deparamos com uma configuração peculiar. Tomemos o exemplo dos dois alunos da 3� série, recordistas de ocorrências disciplinares. Ambos foram alvo das seguintes queixas: atraso na entrada em aula; atraso no retorno à aula depois do intervalo; desinteresse; excesso de faltas; recusa a pedido do professor; grosserias; ausência de material de trabalho; dormir em aula; uso indevido de documento de identificação; adulteração de nota de avaliação.
Como se pode observar, temos diante de nós um quadro bastante distinto das imagens alarmistas sobre o segmento discente jovem na atualidade. Aqui, os alunos "difíceis" parecem ser muito mais pacatos do que o que deles se costuma supor.
Adentramos, assim, a categoria central de nossa análise: o tipo e natureza das reclamações contra os alunos.
Mediante o universo de queixas apresentadas, organizamos as ocorrências segundo quatro grandes categorias. A saber: 1) infrações regimentais; 2) atitudes indesejáveis; 3) conflitos entre alunos; 4) conflitos entre aluno(s) e professor(es) ou staff.
Claro está que as duas últimas referem-se a situações que evocavam a idéia geral de violência, segundo a qual estava em risco a integridade física ou moral do outro. Por sua vez, a categoria "atitudes indesejáveis" referia-se a práticas que, grosso modo, poderiam ser descritas como derivadas do campo genérico da incivilidade, enquanto a categoria "infrações regimentais" remetia às burlas das normas escolares propriamente.
Vejamos mais detalhadamente aqueles atos enquadrados em cada uma das categorias selecionadas e sua frequência. Eis, diante de nós, um retrato bastante detalhado dos costumes discentes considerados "desviantes".
� infrações regimentais
cabular aulas (16)
ausência de material de trabalho (13)
atraso na entrada em aula (12)
atraso no retorno à aula após o intervalo (9)
saída da sala de aula sem autorização (4)
atraso na chegada à escola (3)
danificação de mobiliário (3)
excesso de faltas (3)
danificação de dependências físicas (2)
interrupção externa de aula sem autorização (2)
tabagismo (2)
adulteração de nota de avaliação (1)
alimentação fora do horário (1)
demora no retorno à aula após saída autorizada (1)
destruição de documento (prova) (1)
não devolução de advertência assinada (1)
não realização de deveres (1)
não retorno à aula após saída autorizada (1)
pichação em mobiliário (1)
pichação em paredes (1)
uso de telefone celular em aula (1)
uso de diskman em aula (1)

� atitudes discentes indesejáveis
recusa ao pedido do professor (6)
abstenção das atividades (3)
brincadeira despropositada (3)
conversas paralelas (3)
desinteresse (3)
desonestidade (3)
atividades alheias à aula (2)
dormir em aula (2)
respostas irônicas (2)
brincadeira constrangedora
cantorias em aula (1)
descumprimento de acordo de trabalho (1)
dissimulação (1)
dispersão (1)
dormir em outros espaços escolares (1)
grosserias (1)
obstaculização das atividades (1)
questionamentos irônicos (1)
recusa às decisões do professor (1)
uso de palavrão (1)
uso de mentiras (1)
zombaria (1)

� conflitos entre alunos
agressão física (3)
constrangimento/humilhação (2)
ofensas (2)
agressão verbal (1)
ameaça de agressão (1)
lançamento de objetos contra outrem (1)

� conflitos entre aluno(s) e professor(es) ou staff
ameaça de nudez em sala de aula (1)
afrontas (1)
deboche (1)
humilhação (1)
insultos (1)
ofensas (1)

O quadro abaixo explicita a freqüência de tais atos. As grandezas são reveladoras por si só. É importante observar que o montante de 93 ocorrências converteu-se em 107, já que algumas ocorrências continham mais de um tipo de queixa. Atentemos para a discrepância dos resultados:
Duas evidências saltam aos olhos de imediato: a quantidade ínfima de conflitos entre alunos e professores/staff, assim como o volume acentuado de burlas regimentais.
Dentre as infrações regimentais, as recordistas são, por ordem de freqüência: cabular aula (16 aparições), ausência de material de trabalho (13), atraso na entrada em aula (12), atraso no retorno à aula após o intervalo (9), saída da sala de aula sem autorização (4) etc.
Não obstante o caráter corriqueiro das infrações regimentais mais usuais, talvez o quesito "atitudes indesejáveis" desponte como a "pedra no sapato" dos profissionais da educação contemporânea, uma vez que se refere àquele conjunto de atos disruptivos que não se restringem à inobservância das normas escolares stricto sensu. Embora em menor número (26 ocorrências ao todo), representam problemas disciplinares porque são tidos como atos de incivilidade, os quais ferem as expectativas de convívio em sala de aula. Exemplos, por ordem de freqüência: recusa ao pedido do professor (06 aparições), abstenção das atividades (03), brincadeira despropositada (03), conversas paralelas (03), desinteresse (3), desonestidade (3) etc. Aqui, mais uma vez, temos um quadro bastante previsível dos pequenos atos discentes refratários ao convívio pedagógico. Note-se também que tais ocorrências foram objeto de queixa apenas dos professores.
É importante registrar o fato de que, enquanto as "infrações regimentais" são reportadas em sua maioria pelo staff escolar, as "atitudes indesejáveis" são sempre reportadas pelos professores, o que sinaliza o fato de que temos duas ordens de inflexões disciplinares em curso: uma, mais corriqueira, ligada à transgressão das normas escolares gerais, e outra, menos freqüente mas de maior impacto, mais afeita ao âmbito relacional da sala de aula.
Vemos, portanto, que o cotidiano escolar concreto, do ponto de vista disciplinar, talvez muito pouco se assemelhe ao que se tem alardeado sobre ele. Ao contrário. Aqui, os alunos praticam as mesmas velhas burlas e recusas já há tanto conhecidas. Burlas e recusas que fazem parte dos rituais institucionais clássicos e que, em última instância, constituem prerrogativas do lugar discente.
Quanto ao quesito "conflitos entre alunos", é curioso notar que todas as ocorrências estão circunscritas à 1� série, o que pode indicar um impacto positivo da própria institucionalização no decorrer do ensino médio. O fato de não haver nenhuma ocorrência dessa natureza nas duas séries subseqüentes é mostra da normalização atitudinal aí em curso.
Somando-se essa evidência aos pouquíssimos conflitos entre aluno(s) entre professor(es) ou staff (03 ocorrências), há de se reconhecer que temos diante de nós uma paisagem deveras pacífica e cordata. Se, a rigor, o predicado "conflito" vem se tornando um dos crivos ajuizadores da atmosfera civil e profissional da escola pública brasileira, faz-se necessário impugnar seu uso indiscriminado, visto que as evidências concretas (em que pese a singularidade do contexto pesquisado) parecem contradizer sobremaneira os discursos do senso comum bem como dos próprios profissionais sobre a suposta "desordem" reinante no cotidiano escolar público.
Prosseguindo nosso exame, resta-nos enveredar pelos tipos de deliberação formais relativas às ocorrências disciplinares. Os encaminhamentos foram de duas ordens: medidas regimentais e medidas pedagógicas e/ou reparatórias.
O que diferencia a natureza das duas deliberações é o caráter formalista da primeira (já que prevista no "Regimento Escolar" em vigor) ante ao caráter mais propositivo da segunda, esta mais balizada por uma certa idéia de reciprocidade, em alguns casos, e de aconselhamento, em outros.
Conheçamo-las, e também sua freqüência.
� medidas regimentais
advertência oral - 30
notificação aos familiares - 09
convocação dos familiares - 07
suspensão das atividades por um dia - 06
repreensão por escrito - 05
advertência por escrito - 03

�medidas pedagógicas e/ou reparatórias
recomendação quanto a providenciar material escolar - 11
recomendação quanto às atitudes em sala de aula - 11
retratações verbais - 07
recomendação quanto a observar os horários - 06
limpeza de dependências e mobiliário - 03
entrega de trabalho escolar - 02
supervisão de um professor/tutor - 01
trabalho comunitário - 01
informação quanto a procedimentos de saúde - 01

Como se pode observar, as 107 queixas apresentadas geraram um total de 60 medidas regimentais e outras 43 pedagógicas e/ou reparatórias. Quatro ocorrências não tiveram encaminhamentos de nenhuma ordem. Deve-se ressaltar que as medidas regimentais eram aplicadas em caso de reincidência ou gravidade da ocorrência. No entanto, é preciso destacar também que ocorrências disciplinares similares nem sempre tiveram o mesmo tipo de encaminhamento.
Por fim, há de se apontar o fato de que medidas extremas não foram tomadas em nenhum caso no decorrer do ano letivo pesquisado.

Considerações finais
Iniciamos nosso percurso a partir de um problema simultaneamente teórico e empírico: a alegada descontinuidade entre os mundos escolar e juvenil brasileiros. Enveredamos, então, pela contextualização conceitual proposta por François Dubet, destacando sua formulação acerca dos diferentes modos de subjetivação consoantes e/ou concorrentes ao papel discente clássico. Elegemos, por fim, como recorte analítico a figura da subjetividade transgressora, adversária aos ditames de tal papel, aproximando-a do fenômeno da indisciplina discente.
A fim de melhor compreender o enquadramento institucional da parcela transgressora do alunado, propusemo-nos a investigar a sucessão de atos disruptivos (por meio das ocorrências disciplinares) levados a cabo no cotidiano de uma escola pública de ensino médio, durante um ano letivo.
Os resultados da investigação são surpreendentes visto que apontam para um cotidiano institucional atravessado - jamais sobredeterminado - por pequenos delitos (mormente contra as normas escolares stricto sensu) que em nada se assemelham à imagem hiperbólica que se tem de um interior escolar ora desordenado, ora violento. Nenhum rastro de degeneração do papel institucional discente foi testemunhado, pois.
Em certa medida, pode-se concluir que o cotidiano da escola pesquisada é modelo de logro da ordem disciplinar clássica. Aqui, triunfa um conjunto de usos e costumes nitidamente prosaico e rotineiro. Desta feita, nada de novo parece haver sob o sol escolar investigado, a ponto de corroborarmos a tese da desinstitucionalização escolar pelo viés disciplinar/transgressivo. Ao contrário.
Se partirmos da evidência de que a maior parte das ocorrências disciplinares volta-se contra as próprias normas internas instituídas, faz-se necessário indagar sobre a própria legitimidade destas. Não é o caso aqui. Que se registre, apenas, a premissa de que normas escolares são sempre mutáveis. Em certo sentido, os atos transgressivos talvez estejam sinalizando tão-somente um desafio histórico para as práticas escolares em questão. É hora de construir novas balizas normativas dos fazeres cotidianos, tanto no interior das salas de aula quanto fora delas (Aquino, 2003).
De outro modo, é preciso lembrar que onde houver normas haverá compulsoriamente burlas, já que estas são constitutivas daquelas, e vice-versa. Isso significa que a transgressão pontual de determinados procedimentos-padrão é algo perfeitamente previsível, saudável até, se atentarmos para a dimensão atitudinal (sempre colateral, frise-se) do trabalho pedagógico-escolar. Se não, qual a razão de ser dos "Regimentos Escolares", "Normas Disciplinares", "Manuais de Convivência" e afins?
Contudo, nosso percurso investigativo não permite concluir, em absoluto, que a relação entre o universo escolar pesquisado e seus jovens protagonistas seja marcada por harmonia, extensão e compasso.
Se, por um lado, não pudemos subtrair correlações explícitas entre o advento da subjetividade transgressora e os processos de desinstitucionalização escolar, por outro, é certo que não podemos estender tal raciocínio às duas outras figuras subjetivas concorrentes: os alunos medíocres (aqueles que se adaptam mas não se integram à vida escolar) e os vitimizados (aqueles cuja subjetividade é invalidada pela segregação pedagógica) - ambos não focalizados nesta investigação. Some-se a isso o fato de que se trata, talvez, da maioria esmagadora do alunado, em oposição às outras duas figuras pontuais (o diligente e o transgressor). Se o trabalho empírico dessa pesquisa for de fato representativo das práticas escolares concretas, nem sequer estamos falando de 10% do alunado.
Aquelas outras duas experiências subjetivas propostas por Dubet, mais do que dignas de precaução teórica e empírica, apontam para experiências limítrofes (implícitas, no caso dos medíocres, e explícitas no caso dos vitimizados) da ordem escolar contemporânea, visto que tais alunos em situação de vulnerabilidade pedagógica se converterão, mais cedo ou mais tarde, nos candidatos em potencial às longas fileiras do fracasso escolar. Vulnerabilidade pedagógica aqui se traduz como presságio da exclusão civil - marca principal da organização societária brasileira.
Nessa perspectiva, são eles os arautos da desinstitucionalização escolar - agora pelo viés estritamente pedagógico - e, por extensão, da desregulamentação do mundo público, cujas repercussões nos modos de vida e convívio democráticos são insondáveis, mas deveras temerosas. São eles, portanto, os que têm prioridade quanto a nossos esforços e cuidados, ambos inadiáveis, se ainda desejarmos alçar a instituição escolar à condição de epicentro do espaço público democrático.

Referências bibliográficas
AQUINO, Julio Groppa. (2003) Indisciplina: o contraponto das escolas democráticas. São Paulo: Moderna.
DUBET, François. (1998) "A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização". Revista Contemporaneidade e Educação, ano 3, v.3, p.27-33.
______. (1996) Sociologia da experiência. Lisboa: Instituto Piaget.
CENPEC; LITTERIS. (2001) O jovem, a escola e o saber: uma preocupação social do Brasil. IN: CHARLOT, Bernard. (org.) Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre: ArtMed.
CORTI, Ana Paula; SOUZA, Raquel. (2004) Diálogos com o mundo juvenil: subsídios para educadores. São Paulo: Ação Educativa.
SPOSITO, Marília Pontes. (2003) Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa.


1 A complexa organização dos dados foi realizada em conjunto com a coordenadora pedagógica do ensino médio a qual, por razão de sigilo, não será identificada. Sem sua inestimável colaboração, não teria sido possível a execução deste trabalho.
2 Dados referentes a 2003, recorte temporal da pesquisa.
3 Frise-se também que houve outras sete ocorrência envolvendo professores (que aqui não foram contabilizadas).
4 Staff aqi se refere ao grupo de profissionais escolares exceto os professores, ou seja, os técnicos de apoio educativo ("bedéis") e a propria equipe técnico-pedagógica (diretor, vice e diretora e coordenadora pedagógica).

� 2011  Faculdade de Educa��o da Universidade de S�o Paulo

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

PROVA OPERATÓRIA

O escriba Valdemir Mota de Menezes leu esta matéria e aprovou esta metodologia dos professores Paulo Afonso Caruso Ronca e Cleide do Amaral Terzi

Prova Operatória

É o momento de verificar se o aluno, de posse de conteúdos básicos e a partir deles, saber pensar, argumentar, contrapor. OPERAR enfim tais conteúdos, a partir da leitura, compreensão e interpretação de questões.

OPERAR é a ação mais elaborada, formalizada e abstrata.

Algumas operações abstratas: analisar, classificar, comparar, conceituar, criticar, deduzir, generalizar, levantar hipóteses, imaginar, julgar, localizar no espaço, localizar no tempo, observar, provar, reunir, resumir, seriar, solucionar problemas, transferir.

Qual a importância de saber os conteúdos, inclusive memorizá-los? O conteúdo aprendido, memorizado deve servir de ponte, de estrutura para o pensar.

A prova operatória não se constitui em mecânicos questionários, testes ou exercícios, mas um momento a mais para o aluno viver internamente a construção ou reconstrução de conceitos ao longo do caminho da aprendizagem. Ou seja, um momento de aprendizagem!

Como pode ser a prova operatória?

O tratamento coloquial evidenciado nas provas, pode descontrair e ajudar a diminuir a tensão, que histórica e culturalmente, foi implantada nestes momentos de avaliação.

O tratamento coloquial mobiliza o aluno. Chama-lhe a atenção. Estimula a ação da percepção, convocando-a a participar ativamente do evento.

Se o aluno se sente, então, "pessoalmente convocado" é porque está implícito que o professor também quer respostas pessoais, e de que a prova é sempre uma relação pessoal, ou até interpessoal.

Deve haver a preocupação em explicar cuidadosamente cada questão. A clareza na proposição do enunciado e o zelo na apresentação de orientações básicas (de como fazer ou de como responder) provocam no aluno um sentimento de confiança.

O coloquial envolve a estrutura cognitiva do aluno, oferecendo oportunidade de organizá-la.

Não são provas difíceis ou notas baixas, causadoras de repetidos insucessos, que irão estimular ao estudo. Sucessos e gosto pelo estudo podem, na maioria das vezes, se tornar constantes incentivadores.

A prova operatória não é nem fácil, nem difícil, é essencialmente inteligente.

Prova operatória e a relação com o ler.

Esta prova tem a intenção de orientar o aluno passo a passo, deixando sempre muito claros os objetivos das questões.

Parte delas podem ser apresentadas a partir de um texto a ser cuidadosamente lido. O texto tem como meta apresentar o contexto, tornando a análise obrigatoriamente mais profunda e abrangente. As questões não são mais isoladas, fragmentadas ou subtraídas do contexto.

Tal contextualização impressa nas questões, impõe ao aluno que deixe de lado a simples ação da memorização, para poder colocá-la a serviço e em função do que foi lido. A ação de memorização, assim, passa a ser um meio e não um fim em si mesma.

Os problemas são sempre formados por uma ou mais "palavras operatórias". Estas indicam qual a habilidade operatória que se quer observar na resposta que o aluno venha a dar. Por exemplo: analise, classifique, compare, critique, imagine, serie, levante hipótese, justifique, explique, interprete, suponha, reescreva, descreva, localize, opine, calcule, determine, comente, substitua, exponha, construa, relacione, sintetize e outras.

Os problemas devem ter relação direta e explícita com o conteúdo que está sendo estudado. Sempre que puder, o professor deve lembrar ao aluno quando, onde e como foi vista a matéria, tornando explícita sua intenção de orientar o pensamento: "logo no princípio deste mês..., "nas aulas de laboratório", "logo no início do texto ..." .

Construindo a prova operatória

A prova pode ser composta de três partes:

1o Parte – Mais ampla e aberta, um tema dado que exigirá a expressividade escrita em forma de redação. O tema é encaminhado de maneira mais abrangente.

2a Parte – É constituida da proposição de perguntas mais simples e pequenas. Mostra-se assim aos alunos a importância dada pelo professor ao conteúdo de sua Ciência e a necessidade de conquistar tais pré-requisitos.

A memorização está contextualizada e não se dá aleatoriamente, como que no vácuo. Eis porque vêm na 2a parte da prova. O conteúdo aprendido está inserido entre a composição, expressividade escrita e a resolução de problemas. Memoriza-se parte da matéria, pois há sentido e objetivos para tanto.

3a Parte – É constituída de problemas.

A prova quer ser um momento profundo de reflexão e estudo e se compromete com o desenvolvimento global do pensamento. Tais problemas são discutidos em sala de aula ao longo da vida acadêmica e não podem ser respondidos no sentido imediato de sua utilização.

A Prova Operatória
Paulo Afonso Caruso Ronca
Cleide do Amaral Terzi
EDSPLAN

SCHOOL TEST

Hello teacher and colleagues,

The expression "proof operative" was unknown to me, I decided to search the internet and found on site: http://ucsnews.ucs.br/lavia/semnpu/sem_tem/avalia3.html a summary of this theory of learning Assessment. Professor Ronca, collaborated with Cleide Amaral Terzi to formulate this theory. Basically it is an evaluation project with three stages consisting of a theme, objective questions (which is related to the memorization process) and finally the evidence calls into question the student's ability to "operate" the theme of making it to develop its ability to handle the information. At this late stage it is proposed evaluative students to criticize, argue, defend, analyze, compare and operate various actions with the theme.

Congratulations, Professor Carlos, you brought up an evaluation methodology that is sure, if you have the opportunity to teach, make a point of employing this method, because it develops the student's creativity. These proposals like this that make humanity invent and discover.

Great inventors and discoverers only came to history and humanity contributed to a theme thoroughly because they worked, they tried all possible hypotheses, imaginable and absurd, until they succeeded in their quest.

By scribe Valdemir Mota de Menezes


PLAGIARISM

The text OF the scribe Valdemir Mota de Menezes

Speaking of plagiarism, I spent a shame in the first delivery of CBT, a colleague of the group took the lead and said he would make that step alone, well, when she sent the work to other components of the group, I immediately went to check on a Internet search engine and soon realized that all the work was a "glue" of the Internet. But to warn her about the fact that it was too late, she sent the file to the supervisor of the TCC. It need not be clairvoyant to know what happened ... The teacher also checks the work and had the biggest earful, accusing us of lack of character. I ended up asking the output of this group 17, and joined in group 1. It's amazing how childish some people and how they underestimate his neighbor.

PLÁGIO EM TRABALHOS ESCOLARES

O texto abaixo, o escriba Valdemir Mota de Menezes leu na plataforma do Curso de Licenciatura em História da Unimes, quando concluía seu curso. Por falar em plágio, passei uma vergonha na Primeira Entrega do TCC, uma colega do grupo assumiu a frente e disse que faria aquela etapa sozinha, pois bem, quando ela mandou o Trabalho para os demais componentes do grupo, eu imediatamente fui conferir em um buscador da internet e logo vi que todo o trabalho era uma "cola" da internet. Mas ao adverti-la sobre o fato, já era tarde, ela mandou o arquivo para o orientador do TCC. Não precisa ser adivinho para saber o que aconteceu... O professor também conferiu o Trabalho e mandou a maior bronca, acusando-nos de falta de caráter. Acabei solicitando a saída deste grupo 17 e ingressei no grupo 1. É incrível a infantilidade de certas pessoas e como elas subestimam o seu próximo.







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O problema do plágio A "cópia" não foi inventada juntamente com a Internet, mas, certamente, ela tem propiciado o crescimento dessa prática, dada a facilidade de se acessar os textos disponibilizados em meio digital e, considerando-se, além disso, a quantidade de textos disponibilizados. Numa linguagem bastante informal, poderíamos dizer que "copiar" uma resposta ou um trabalho inteiro, torna-se uma tentação: bastam poucos movimentos do mouse e do teclado e pronto! Eis um trabalho inteirinho, em poucos minutos. Entretanto, devemos lembrar-nos do porque as escolas solicitam os trabalhos escritos. Eles não servem somente para que o aluno "ganhe uma nota". Na verdade, os trabalhos escritos - sejam curtos ou longos - constituem uma etapa fundamental na construção de conhecimentos, talvez até a mais importante etapa, como é o caso do Trabalho de Conclusão de Curso - que constitui um requisito para a conclusão da Graduação. Ele complementa uma trajetória de estudos e deve mobilizar os conhecimentos trabalhados e adquiridos no percurso acadêmico. No momento da escrita realizam-se a organização do pensamento, a abstração e a síntese necessárias para a consolidação do conhecimento; no caso do TCC há um caminho percorrido desde o projeto, com o referencial teórico convenientemente discutido e acordado com a orientação, o que constitui um dos pontos chaves e originais de cada projeto e do TCC. Portanto, compreendendo a importância da escrita, informamos, desde já, que não aceitaremos cópias de textos alheios. Assim que identificarem uma cópia, os professores orientadores poderão recusar o trabalho e solicitar uma nova entrega dentro do prazo estabelecido. Lembramos ainda que, pela internet, geralmente são apresentados recortes de pensamento de autores, o que não constitui material suficiente para a elaboração de trabalhos acadêmicos. As obras específicas, por autor, constituem material precioso e necessário para a elaboração de um bom trabalho, lancem mão delas. Acesse o link abaixo para ler um artigo que informa o que pode ou não ser copiado da Internet, e o que é ou não considerado cópia ou plágio. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19651998000200011

terça-feira, 13 de setembro de 2011

HISTÓRIA DA ÁFRICA NAS ESCOLAS

O escriba Valdemir Mota de Menezes leu o trabalho do Anderson Ribeiro Oliva e concorda que de fato pouco nos aprofundamos na história da África. As escolas brasileiras não se estendem mais no tema, porque também falta conteudo histórico e documentos que registrassem o passado dos povos africanos. Não podemos considerar que esta falta de conteudo escolar é oriundo de preconceito contra os negros, mas pela falta de subsídios. Ao contrario, os europeus nos deixaram um legado histórico e documental abundante. --------------------------------------------------------------- A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática Anderson Ribeiro Oliva Resumo A aprovação da lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e dos afrodescendentes, gerou nos meios escolares e acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas em História da África vêm alertando há certo tempo: “esquecemos” de estudar o Continente africano. A partir dessas constatações, o presente artigo tem como objetivo maior analisar a forma como aHistória da África e os africanos foram representados em um dos poucos livros didáticos de História elaborados no país que abordam a África com um capítulo específico. As muitas críticas e curtos elogios devem ser entendidos não como desconsideração ao trabalho do autor, mas como um alerta: devemos voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância incontestável como palco das ações humanas e pelas profundas relações que guardamos com aquele Continente por meio do mundo chamado Atlântico. Palavras-chave historiografia africana; africanos. : História da África; representações; ensino da História; Abstract African History at school. Representations and imprecision in the didactics literature The approval of the 10639/03 law, which made compulsory the teaching of African and African-descendants history, has brought some Estudos Afro-Asiáticos uneasiness and many questions to the academic sphere. How is it possible to teach something we do not know? Besides this questioning, the law comes up with something that African history specialists have been warning us for a long time: we “forgot” to study the African continent. Beginning from these facts, the article’s objective is to analyze how the African history and the Africans have been represented in the very few history books, made in Brazil, in which the African theme is brought up in a specific chapter. The many critics and short complements towards these books, should not be interpreted as lack of consideration to the authors’ work, but as an alert: we have to turn our attention to Africa, considering its unquestionable relevance as a stage to human actions and because of the deep relations we have with that continent through the Atlantic. , Ano 25, no 3, 2003, pp. 421-461 Keywords historiography, Africans. : African History, representations, history teaching, African Résumé L’histoire de l’Afrique sur les bans de l’école. Représentations et inprecisions dans la littérature didactique L’adoption de la loi 10639/03, qui a rendu obligatoire l’enseignement de l’Histoire de l’Afrique et des afro-descendants, a suscité quelques inquiétudes dans les milieux scolaires et académiques ainsi que bien de doutes. Comment enseigner ce que l’on ne connaît pas ? En plus de toutes ces interrogations, la loi révèle quelque chose dont les spécialistes enHistoire de l’Afrique se soucient depuis un certain temps : on a simplement “oublié” d’étudier le continent africain. C’est à partir de ces constatations que cet article a pour objectif majeur d’étudier comment l’Histoire de l’Afrique et les Africains ont été représentés dans l’un des seuls livres didactiques d’Histoire fait au Brésil et qui aborde l’Afrique dans un chapitre spécifique. Toutes les critiques et les brefs éloges doivent être compris comme une mise en garde plutôt que comme un manque de respect pour le travail de l’auteur. En effet, on doit regarder l’Afrique à cause de son importance majeure comme une scène pour des actions humaines et aussi à cause des rapports intenses que l’on garde avec ce continent, à travers ce que l’on nomme le monde Atlantique. Mots-clés l’Histoire de l’Afrique, historiographie africaine, Africains. : Histoire de l’Afrique, représentations, enseignement de Anderson RibeiroOliva 422 N já que as mesmas exigem respostas diretas. E efetivamente esta não é uma qualidade que carrego. Porém, neste momento, é difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor, provavelmente professor de História. Por isso vamos a ela: “O que sabemos sobre a África?” Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do ão costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas,National Geographic ou mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui. O ofício de historiador ou de professor—não consigo percebê- los tão separados—habilita-nos à compreensão e análise da humanidade em sua trajetória no tempo. Isto não pode ocorrer apenas por adoração às pesquisas ou ao poder de contar histórias. Voltar ao passado apenas por erudição ou curiosidade não é a nossa tarefa. O passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e de sentidos. Desconfio que os alunos também pensem assim. Se a História da África, como um campo do pensamento humano, se justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade adquire um duplo peso. Primeiro: temos que reconhecer a relevância de estudar a História da África, independente de qualquer outra motivação. Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um 423 Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia, a Grécia, a Roma ou ainda a Reforma Religiosa e as Revoluções Liberais? Muitos irão reagir à minha afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos muito explica nossas realidades ou alguns momentos de nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não nos explica? Não somos (brasileiros) frutos do encontro ou desencontro de diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos? Aí está a dupla responsabilidade. A História da África e a História do Brasil estão mais próximas do que alguns gostariam. Se nos desdobramos para pesquisar e ensinar tantos conteúdos, em um esforço de, algumas vezes, apenas noticiar o passado, por que não dedicarmos um espaço efetivo para a África em nossos programas ou projetos. Os africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias aos alunos, mas internalizá-la neles. Para isso devemos saber responder, com boa argüição, a pergunta inicial do texto. Porém, chega de defesas ou apologias de uma História, e nos concentremos nas “coisas sérias”. A História da África nos bancos escolares Se o ensino de História no Brasil transformação nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter atingindo de forma significativa o estudo daHistória da África. Da criação da primeira cátedra deHistória no país, em 1838, no Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço fecundo e estimulante para a (re)significação de sua existência. Estabeleceu- se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores interessados em repensar a abordagem daHistória em sala de aula. Outras perspectivas teóricas—Marxismo eHistóriaNova—passaram a inundar os livros didáticos, levando à incorporação de abordagens econômicas estruturais e temáticas dos conteúdos tratados ou determinados pelos currículos. Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que se contentar, ou aturar, umaHistória de influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraen- 1 passou por uma profunda Anderson RibeiroOliva 424 te, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos na tentativa de modificar o ensino da história. Como ressonância dos debates que circulavam nas universidades desde os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os livros didáticos. Porém, a dose de mudanças foi muitas vezes ortodoxa, limitando a história a modelos vulgares das análises marxistas e a complexas estruturas e sistemas econômicos. Outras vezes foi inócua, atingindo de forma bastante limitada a docentes e alunos. Para alguns, cristalizou-se como única proposta a ser seguida, fugir dela era renunciar ao papel de formador de consciências críticas e esclarecidas. Para outros, a troca de perspectiva teórica não se fez acompanhar da qualificação docente e do material utilizado em sala de aula. É essa perspectiva teórica, com seus avanços e obstáculos que, até o final dos anos 1990, foi, se não hegemônica, majoritária no ensino da disciplina. Nessa mesma década—como reflexo das mudanças teóricas que inundavam os cursos de História, a partir os ventos soprados pela historiografia francesa—percebeu-se que, se a reestruturação escolar tinha sido frutífera, era ainda inadequada. Apesar da experiência paulista uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História temática. Não se pode negar os efeitos positivos dessas influências. Uma série de atividades pedagógicas, diversificadas da História, associadas à escrita de novos manuais e reedições dos que já circulavam por algum tempo, informavam os novos rumos tomados pelo ensino da disciplina. Porém, e apesar dos esforços, existem lacunas e problemas de certa relevância no debate que se montou acerca da adoção do ensino temático no Brasil. A formação de alguns centros de Pós-Graduação, 2 dos anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos3 envolvendo abordagens4 especializados no ensino de História, e de núcleos de pesquisa, 5 além da promoção de congressos e encontros nacionais revelam a preocupação com as mudanças acerca do assunto. Fica evidente também, ainda hoje, por motivos conjunturais maiores, o descontentamento de boa parte dos alunos e docentes pela forma como AHistória da África nos bancos escolares... 425 ainda é ministrada a disciplina História nas escolas. Porém este é um outro problema. A partir deste quadro, de certa forma crítico, mas estimulante para aqueles que defendem mudanças ainda maiores para aHistória ensinada, percebemos um outro desencontro. Em artigos publicados recentemente, em duas qualificadas coletâneas (ver Abreu, 2003, Karnal, 2003; Bittencourt, 1997b), vários pensadores fizeram incursões reflexivas sobre o atual momento do ensino de História e das inovadoras e, de certa forma, problemáticas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Entre as discussões levantadas, uma chamou-nos a atenção: o debate acerca do combate à discriminação racial e do ensino da História da África. Oartigo deHebeMariaMattos, contra a discriminação racial no Brasil, parte. Mesmo guardando idéias gerais, ainda que elucidativas, a autora demonstra sensibilidade e iniciativa ao levar para um palco de discussões maior um assunto lembrado por poucos: o ensino da História da África. Mattos alerta para a necessidade de um redimensionamento teórico e espacial sobre a questão. Se existia uma tendência dos estudos anteriores de olhar o negro no Brasil, a proposta da autora, influenciada pelas reflexões do britânico Paul Gilroy, é de perceber a África, os africanos, e a identidade negra do país dentro de um contexto histórico mais abrangente: o Mundo Atlântico. OEnsino deHistória e a lutamerece uma referência à Quando se rompe com uma perspectiva essencializada das relações entre identidade e cultura, decorre que qualquer abordagem sobre as ambigüidades da identidade negra no Brasil se torna indissociável do entendimento da experiência da escravidão moderna e de sua herança racializada espalhada pelo Atlântico [...]. Gilroy aborda este processo [a afirmação de novas identidades negras] como construção política e histórica fundada em diferentes trocas culturais (africanas, americanas e européias) através do Atlântico, desde o tráfico negreiro, na qual a questão das origens interessa menos que as experiências de fazer face à discriminação através da construção identitária e da inovação cultural. (Mattos, 2003: 129-130) Outra fundamental questão abordada pela historiadora é a negligência com a qual se trata aHistória da África nas universidades e as conseqüências de tal fato no ensino. Ainda mais grave, há alguns conteúdos fundamentais propostos nos novos PCNs—especialmente a ênfase na história da África—que, infelizmente, ainda engatinham como área de discussão e pesquisa nas nossas Anderson RibeiroOliva 426 universidades, impondo-se como limite ainda maior ao esforço pedagógico que pode ser feito para uma abordagem que rompa com o europocentrismo que ainda estrutura os programas de ensino das escolas. ( 131) ibidem: As últimas páginas de seu artigo são dedicadas à análise de como a História da África foi trabalhada em um dos novos livros didáticos utilizados no país (ver Montellato, 2000). O ponto de destaque é que o volume analisado, voltado para a 6ª série do Ensino Fundamental, utiliza uma proposta de abordagem temática da História. A autora passa a dialogar com o livro procurando salientar seus avanços e tropeços, que parecerem ser em maior número. Por exemplo, no capítulo que trata da Expansão Marítima Européia dos séculos XV e XVI, a “África aparece apenas como uma sucessão de pontos geográficos a serem ultrapassados”. Na unidade seguinte, que estuda o “desencontro entre culturas” Mattos se incomoda que não haja nem uma palavra sequer sobre África, africanos ou os diversos povos daquele continente e de como participaram destes desencontros. Eles entram em cena na terceira unidade, para caracterizar “a construção da sociedade colonial”, basicamente como força de trabalho. Em outros momentos, como no debate sobre a escravidão, os autores do livro reproduzem versões tradicionais da historiografia brasileira, ao naturalizarem a escravidão por “ela”, de alguma forma, já existir em África. A África pré-colonial só irá aparecer na última unidade, porém, Mattos não realiza nenhum comentário mais específico sobre o assunto. Por fim, a autora conclui que a tendência de conjunto [...] é o lugar encapsulado (como uma simples questão de mão-de-obra) e naturalizado (negro = africano = escravo) da questão negra no ensino da história do Brasil.Qualquer trabalho com livros didáticos anteriores aos PCNs apenas reforçaria esta tendência [...]. ( ibidem:132-134). Cabe ressaltar que este trabalho da autora não é especificamente sobre o ensino da História da África, mesmo que o aborde ao longo do texto, e nem ela é uma africanista. Talvez isso revele a pouca profundidade ao analisar a abordagem da África anterior ao século XIX, presente no manual. De qualquer forma, sua contribuição deve ser destacada, já que foi uma das poucas vozes entre os historiadores a publicar algum material sobre o tema. Suas conclusões gerais também demonstram sua preocupação com a formação AHistória da África nos bancos escolares... 427 dos professores. Mesmo que timidamente, aponta algumas alternativas. Desenvolver condições para uma abordagem da história da África no mesmo nível de profundidade com que se estuda a história européia e suas influências sobre o continente americano. Já começaram a estar disponíveis em língua portuguesa alguns títulos que tornam esta tarefa relativamente viável, para além dos dois volumes monumentais sobre história da África pré-colonial, de Alberto da Costa e Silva. Ensinar história da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira. ( ibidem:135). No que concerne ao estudo da História da África, não podemos ignorar o fato de que após o processo de libertação africano, ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa — significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente, tanto por africanistas como por historiadores dos países recémformados (Difuila, 1995). Porém, devido a problemas internos e ao descaso externo, esses países—falamos especialmente dos países africanos de língua portuguesa em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros de estudos montados.Mesmo assim, se comparados com estudos realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos. Enfim, o momento é propício ao debate da questão, já que o atual governo, na época com poucos dias de existência, sancionou uma lei afro-brasileiros e da África em escolas do Ensino Fundamental e Médio.Medida justa e tardia, e ao mesmo tempo difícil de ser implementada. Isso por um motivo prático: muitos professores formados ou em formação, com algumas exceções, nunca tiveram, em suas graduações, contato com disciplinas específicas sobre a História da África. Soma-se a esse relevante fator a constatação de que a grande maioria dos livros didáticos deHistória utilizada nesses níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado, pouco atentando para a produção historiográfica sobre o Continente. Os alunos passam assim, a construir apenas estereótipos so- 6 —, tiveram alguma dificuldade7 tornando obrigatório o ensino da História dos Anderson RibeiroOliva 428 bre a África e suas populações. Portanto, seria justo perguntar: como a História da África é ensinada em nossas escolas? Para responder a tal questão faremos um breve exercício. Na realidade, é uma espécie de teatro experimental de uma pesquisa maior, que desenvolvo em tese de doutorado na linha de pesquisa Comércio e Transculturação no Mundo Atlântico, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília. Em meu projeto tenciono fazer o seguinte percurso: analisar a forma como os livros didáticos de História — produzidos a partir de 1995—utilizados nas escolas brasileiras, portuguesas, angolanas e cabo-verdianas representaram(am) por meio de imagens e textos escritos os africanos, e qual o papel reservado à História da África em meio às temáticas e conteúdos abordados. Neste caso, farei aqui um breve, mas fundamental, teste. Nesta primeira parte do artigo tivemos a preocupação de alertar, assim como outros já o fizeram, para as graves lacunas existentes na formação acadêmica e no ensino sobre a História da África. Na segunda parte apresentaremos a trajetória das leituras realizadas sobre os africanos e que revelam as representações construídas ao longo do tempo acerca da África. E por fim, em um terceiro momento realizaremos um estudo de caso. Ao analisarmos um dos poucos livros didáticos (Schmidt, 1999) que abordam a História da África pré-colonial com um capítulo específico, intentamos iniciar uma leitura crítica sobre os acertos e desacertos da abordagem efetuada sobre a levantada temática nos manuais. Esperamos que seja uma iniciativa válida. Os africanos sob os olhares ocidentais e notícias da historiografia sobre a África Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas coleções didáticas deHistória no Brasil. Das vinte coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos específicos sobre a História da África. África aparece apenas como um figurante que passa despercebido em cena, sendo mencionada como um apêndice misterioso e pouco interessante de outras temáticas. Tornou-se evidente também que, quando o silêncio é quebrado, a formação inadequada e a bibliografia limitada criam obstáculos significativos para uma leitura menos imprecisa e distorcida sobre a questão. Percebemos, en- 8 Nas outras obras, a AHistória da África nos bancos escolares... 429 tão, que a tarefa de análise de manuais didáticos exigiria não apenas um conhecimento considerável acerca da História e da historiografia africanas. Seria preciso fazer uso de outro suporte de análise, que permitisse o entendimento de como esses livros influenciaram a construção das distorções e simplificações elaboradas sobre a África e apropriadas por milhares de alunos e professores naquele Continente, no Brasil e em Portugal. Se o objetivo aqui é analisar a forma como os africanos e a História da África foram representados na literatura didática de História, torna-se indispensável fazermos uma incursão por alguns dos trabalhos que tentaram esclarecer como o imaginário ocidental sobre a África e os africanos foi gestado. É claro que as contribuições vão além dos conceitos que serão discutidos, passando pelo entendimento das relações sistêmicas maiores. No entanto, construir instrumentos de pesquisa e reflexão mais apurados apresentam- se como tarefas obrigatórias. Para isso, retornaremos às citadas reflexões traçando uma breve trajetória das representações elaboradas sobre os africanos, articulando-a aos caminhos seguidos pela historiografia africana. Visões sobre a África Em recente viagem à África, da Silva demonstrou a intenção do Estado brasileiro, pelo menos de forma simbólica, de quebrar o silêncio de algumas décadas nas relações econômicas e diplomáticas mais vantajosas entre as duas margens do Atlântico. Deixando de lado as perspectivas figurativas do Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul — o presidente, em seus improvisados, e, portanto, mais reveladores discursos, cometeu o que foi para alguns uma gafe, para outros uma dura ofensa à África. Ao fazer comentários sobre a limpeza e organização de Windhoek, capital da Namíbia, Lula evidenciou as imagens que incorporamos e perpetuamos sobre o Continente. Não tiremos as palavras do presidente, sua íntegra nos ajuda à reflexão sobre nosso imaginário acerca da África e dos africanos. 9 o presidente Luiz Inácio Lulatour pela região sul do Continente—São Tomé e Príncipe, Estou surpreso porque quem chega aWindhoek [capital daNamíbia], não parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade [...]. A visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de que somos todos índios e pobres. A visão que se tem da África é de que também é um continente só de pobre ( Correio Braziliense, 2003: 2). Anderson RibeiroOliva 430 Não iremos crucificar o presidente como outros fizeram. Não que concordemos com tal disparate conclusivo, até porque, tendo oportunidade de se corrigir nos dias seguintes, Lula afirmou que apenas constatou o óbvio. Porém, é muito mais enriquecedor analisar os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra dimensão. Independente de Lula ter formação superior ou não, ser presidente ou cidadão comum, nordestino ou gaúcho, pobre ou rico, sua postura de admiração com uma “cidade limpa” na África é surpreendentemente comum. Para ser mais claro: excluindo um seleto grupo de intelectuais e pesquisadores, uma parcela dos afrodescendentes e pessoas iluminadas pelas noções do relativismo cultural, nós, brasileiros, tratamos a África de forma preconceituosa. Reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro. A África não poderia ter, fazendo uma breve inversão do olhar presidencial, ruas limpas, um povo extraordinário e bela arquitetura. Seguindo esse raciocínio, a viagem não poderia ter outra dimensão do que a econômica, e o Brasil não poderia ter outra postura do que a de ajuda humanitária à África, já que, por sermos tão melhores do que eles, seria ilógico esperar algo de lá. Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África e incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de ações e pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe- se que as representações deturpadas sobre o Continente africano não são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distorções, simplificações e generalizações de sua história e de suas populações são comuns a várias partes e tempos do mundo ocidental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e falas como a citada, é muito provável que o imaginário de nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas. Alguns autores compreensão dos olhares estrangeiros que percorreram o Continente africano. O historiador português José da Silva Horta (1995, 1991) em dois excelentes trabalhos, refletiu sobre os possíveis limitadores e influenciadores das leituras européias realizadas 10 já tinham alertado sobre as dificuldades de AHistória da África nos bancos escolares... 431 em África, leituras essas que incorporamos durante o período colonial e que foram reforçadas ao longo dos séculos seguintes. Horta defende a idéia, comungada por outros autores, de que os textos sobre os africanos—escritos ou imagéticos —, presentes nas mais diversas obras ao longo do tempo, não passam de representações,11 ou seja, são (re)construções do real. É certo que esses textos foram escritos (pintados) a partir de uma série de referências ou categorias culturais daqueles que estiveram em África ou procuram interpretar as notícias que lá chegavam. Ao lermos os textos europeus que retratam o Africano (o mesmo sucede, aliás, se interpretarmos ícones), mesmo os mais descritivos, temos de partir sempre do princípio de que estamos perante representações, o que é dizer, perante (re)construções do real. [...] Essa construção faz-se de acordo com as categorias culturais e mentais de quem viu, ou (e) de quem escreve [...]. A representação é, aqui, a tradução mental de uma realidade exterior que se percepcionou e que vai ser evocada—oralmente, por escrito, por um ícone — estando ausente. (Horta, 1995: 189) Evidencia-se dessa relação — observado/observador — um jogo não só de dominação e resistência, mas também de dificuldade de explicar e reconhecer a alteridade. Ao mesmo tempo, fica claro que as relações sociais, intelectuais e culturais só se concretizam quando ocorre entendimento. E para entendermos algo, quase sempre, fazemos uso de nossa cosmovisão e estrutura de explicação do universo, emprestando significados ao que está sendo observado ou apresentado ( são construídas em nosso imaginário não de forma passiva. Quase sempre incorporamos outras definições e conceitos de forma consciente, e mesmo que adotemos determinada postura menos irrefletida, ela pode ser alterada a qualquer momento, dependendo dos reflexos que nos chegam e de nossas intenções. ibidem:190). Sabemos que as representações A representação, enquanto tradução mental de uma realidade exterior percepcionada, implica um processo de abstração que passa pelo gerir— mais ou menos inconsciente — das classificações disponíveis no cultural subjazem cristalizam-se assim em categorias, lugares-comuns e estereótipos, que organizam a cada momento as representações, das quais são como que a linguagem, o código de referência permanente. ( 209) stockpara tornar inteligível e avaliar essa realidade.Os valores que lheibidem: Compete aqui lembrar que esse processo não ocorreu em uma via de mão única—europeus/africanos. Os africanos eviden- Anderson RibeiroOliva 432 temente elaboraram suas interpretações e significações para o que vivenciavam ao entrar em contato com os europeus. Em suma: as representações recíprocas são uma dimensão essencial do encontro de Europeus e Africanos, de uma história em comum. Práticas e representações constituem um binômio indissociável. As últimas têm, portanto, um papel coadjuvante na explicação da natureza do relacionamento entabulado entre duas partes que se observam e que interagem. [...] Trata-se de uma convergência natural e necessária em todos os fenômenos resultantes do encontro ou confronto de culturas [...] ( 191). ibidem: Seria plausível afirmar que os olhares sobre oOutro estariam impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar significados e aceitar as diferenças. Ao mesmo tempo, tal relação é fundamental para a afirmação/reelaboração da própria identidade. Nesse movimento os europeus emprestaram, quase sempre, um aspecto de inferioridade aos povos da região. De certa forma, também teriam sido os contatos com os europeus que fizeram os africanos perceberem ou serem “obrigados” a aceitar que entre eles existiam elementos de proximidae e de identidade. Opsiquiatra negro Frantz Fanon, psicológicos do processo de dominação européia na África, afirmava que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo africano Kwame Appiah confirma a idéia de que “a própria categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os ‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-los” (Appiah, 1997:96). Percebe-se, portanto, que a troca de olhares sobre o outro e sobre a própria identidade é um instrumento dinâmico, em constante resignificação e com múltiplas variáveis. Neste caso, atentemos para as visões européias sobre os africanos. Desde da Antigüidade, os escritos de viajantes, historiadores ou geógrafos, como Heródoto (séc. V a.C.) e Cláudio Ptolomeu (séc. II), fazem referência à África de forma a demarcar as diferenças e a representar, a partir dos filtros estrangeiros, o Continente e suas gentes. das leituras européias foram a cor da pele dos africanos, chamados de etíopes, e as características geográficas da região, conhecida por Etiópia. Essa própria forma de denominar a África conhecida, que no período se limitava à área acima do Saara, utilizada por gregos e romanos, levava em consideração um desses grandes 12 ao investigar os impactos13 Os elementos que parecem ter chamado mais a atenção AHistória da África nos bancos escolares... 433 elementos de estranhamento, já que o termo grego terra dos homens de pele negra (Difuila, 1995: 53). Heródoto, em sua acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos” (Heródoto, 1988: 95, 361). A relação entre a cor e o clima, associada à ênfase no tipo de cabelos revela o impacto que a diferença de fenótipos entre os europeus e os africanos causava ao estrangeiro. Além disso, afirmava o historiador que “o sêmem por eles ejaculado quando se unem às mulheres também não é branco [...], e sim negro como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmem dos etíopes)” ( elogios aos etíopes, já que estes seriam “homens de elevada estatura e muito belos e de uma longevidade excepcional”.Na descrição geográfica da região o viajante grego acredita ser a Etiópia “a mais remota das regiões habitadas; lá existe muito ouro e há enormes elefantes, e todas as árvores são silvestres, e ébano (...)” ( 185-6). Porém, não só de curiosidade se constituem seus escritos. Emoutros trechos fica evidente a inferioridade dos etíopes perante os gregos e egípcios, já que estes eram bárbaros—sem civilização — e identificados como trogloditas. Aethiops, significaHistória, deixou registrada sua impressãoibidem: 182). Em seus comentários também encontramosibidem: Esses soldados, estabelecendo-se na Etiópia, contribuíram para civilizar os etíopes, ensinando-lhes os costumes egípcios ( Esses garamantes saem com seus carros de quatro cavalos à caça de trogloditas etíopes, pois os trogloditas etíopes são os corredores mais rápidos sobre os quais já ouvimos contar histórias. Esses trogloditas se alimentam de serpentes, de lagartos e de répteis do mesmo gênero; eles não falam uma linguagem parecida com qualquer outra, e emitem gritos agudos como os dos morcegos ( ibidem: 98).ibidem: 250). Ainda na Antigüidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu, baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua Geografia contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais. No medievo, as imagens sobre os africanos foram completamente tangidas pelo imaginário europeu. A teoria camita e a fusão da cartografia de Cláudio Ptolomeu com cosmologia cristã rele- a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos Anderson RibeiroOliva 434 gam a África e os africanos às piores regiões da Terra. Na cartografia medieval, os mapas seguem um padrão, sendo a Terra um círculo com as terras conhecidas — Europa, Ásia e África—distribuídas no centro em forma de um T. Na realidade, o termo mais usado para designar essas representações era “mapas TO”, de Um exemplo desses mapas é o de Psalter (1250), ao lado (Noronha, 2000). Outra idéia explica a “nomenclatura TO: ela sugere o Cristo crucificado (T) e o oceano (O) que circunscreve todo o orbe” ou ainda o T como “representação geométrica dos três mares”, o Mediterrâneo, o Helesponto e o 1994: 24). O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos deNoé, à direita. Ao Sul aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé” (Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte do território da Arábia, do Egito e da Etiópia. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos continuam. No século XV, duas encíclicas papais— a Portugal de despojar e escravizar eternamente osMaometanos, pagãos e povos pretos em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos séculos seguintes. Os temores sobre oMar Oceano e a região abai- Orbis Terrarum.mare indicum (Noronha, 2000: 681-689 e Kappler,Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de AHistória da África nos bancos escolares... 435 xo do Equador iriam alimentar as elaborações e representações dos europeus sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos iriam ser elementos constantes nas descrições de viajantes, aventureiros e missionários.Emexcelente obra introdutória à História da África, Mary Del Priore e Renato Venâncio, retrataram essas construções mentais. Acreditava-se, também, que a parte habitável da Etiópia era moradia de seres monstruosos: “os homens de faces queimadas”. [...] A cor negra, associada à escuridão e ao mal, remetia no inconsciente europeu, ao inferno e às criaturas das sombras. O Diabo, nos tratados de demonologia, nos contos moralistas e nas visões das feiticeiras perseguidas pela Inquisição, era, coincidentemente, quase sempre negro (Del Priore e Venâncio, 2004: 56). Para a maior parte dos autores, a descrição física da zona meridional africana se associava à idéia de intolerância climática.No século XI, Vicente de Beauvais, dominicano e leitor da real família de França, opunha o Norte e o Sul para explicar que o primeiro era seco e frio e o segundo, quente e úmido. Ao norte, os homens seriam sadios e belos; ao sul, frágeis, doentes e feios. Por culpa do clima tórrido, seus corpos negros e moles eram sujeitos a males como a gangrena, a epilepsia, as diarréias. Ao norte, os corpos, isentos de doenças, teriam uma coloração rosada ( ibidem: 58). Ao longo dos contatos estabelecidos nos tempos modernos os preconceitos foram apenas se alternado. A ausência da fé cristã, trocada em África por “cultos pagãos e fetichistas”, de Estados organizados aos moldes dos europeus e o convívio com padrões urbanísticos, estéticos e artísticos diversos fizeram com que as leituras européias sobre a África pouco mudassem. No século XIX, as crenças científicas, oriundas das concepções do Darwinismo Social e do Determinismo Racial, alocaram os africanos nos últimos degraus da evolução das “raças” humanas. Infantis, primitivos, tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os africanos deveriam receber a benfazeja ajuda européia, por meio das intervenções imperialistas no Continente. Neste mesmo período, o pensamento histórico passa por (re)adequações, surgindo uma espécie de história científica. As perspectivas das reflexões historiográficas, do século XIX até a década de 1960, espelham, em parte, os silêncios insuportáveis que até pouco tempo se fizeram sobre a temática no Ocidente e no Brasil, e explicam a manutenção das representações construídas em relação aos africanos. Partindo da idéia de que a história é o campo das ações — mentais e materiais — humanas no tempo, a África é a região do mundo de mais longa historicidade. Berço da Anderson RibeiroOliva 436 humanidade, esse Continente foi palco de diversificadas experiências sociais e múltiplos fenômenos culturais. No entanto, o aparecimento da “ciência histórica”, na Europa dos oitocentos, desconsiderou, por meio de seus pressupostos, a história vivenciada naquele Continente. Nas leituras dos autores que abordaram a trajetória da historiografia africana encontramos alguns elementos em comum na identificação de como a África aparece nos escritos historiográficos ocidentais e nos dos próprios africanos. A divisão/classificação desses escritos, realizada pelo cientista social guineense Carlos Lopes, servirá como guia de nossa incursão. Segundo Lopes, existiriam três grupos nos quais poderiam ser localizadas, por afinidades maiores, as diversas investigações ou “falas” realizadas sobre a África, a partir do século XIX: a Corrente da Inferioridade Africana, a Corrente da Superioridade Africana, e uma Nova Escola de estudos africanos. Para uma melhor apreensão dessas interpretações, é preciso lembrar que elas são herdeiras diretas de um imaginário bastante distorcido acerca dos africanos. Segundo os pensadores do século XIX, os povos africanos subsaarianos encontravam-se imersos em um estado de quase absoluta imobilidade, seriam sociedades sem história.No caso, é preciso que se frise que aHistória, naquele momento, passara a se confundir com dois elementos: as trajetórias nacionais—entendidas como os inventários cronológicos dos principais fatos políticos dos Estados europeus, quase sempre protagonizados por figuras ilustres ou heróis; e com o movimento retilíneo e natural rumo ao progresso tecnológico e civilizacional. Dessa forma, a idéia da transformação, da busca constante pelo novo, pelo moderno, se tornaria uma obsessão. Além disso, devido aos rigores metodológicos, o passado somente poderia ser acessado com o uso dos documentos escritos oficiais. Observados de dentro dessa perspectiva histórica, os povos africanos não possuíam papel de destaque na história da humanidade. Primeiro pela ausência, em grande parte das sociedades abaixo do Saara, de códigos escritos—havia a predominância da tradição oral. E, segundo, por serem classificadas como sociedades tradicionais 14 já 15 como em uma bolha do tempo, o passado —, estando fadados a um eterno imobilismo. Os pesquisadores que abordam a construção da historiografia africana utilizam exemplos, que hoje poderíamos chamar de “clássicos”, para descrever este estado de — quando a tradição aparece no sentido de preservar,coisas. O mais citado é a AHistória da África nos bancos escolares... 437 categórica afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel, ainda na primeira metade do séc. XIX, acerca da inexistência da História em África, ou de sua insignificância para a humanidade. A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar,movimentos históricos próprios dela.Quer isto dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito a-hstórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do mundo. (Hegel, 1995: 174). Apesar de Hegel não ter uma influência tão significativa assim nos historiadores do período seguinte, parece que essa idéia não ficou limitada aos oitocentos, influenciando trabalhos posteriores. Manuel Difuila lembra que um dos primeiros estudiosos das temáticas africanas, H. Schurz, comparou a “História das raças da Europa à vitalidade de um belo dia de sol, e a das raças da África a umpesadelo que logo se esquece ao acordar” (Difuila, 1995: 52). Ainda nesta direção um renomado professor da Universidade de Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963, compartilhar das idéias de seus companheiros anteriores. Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema de história [...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que não exercem nenhuma influência em outras regiões” 16 (apud Fage, 1982: 49). Para os historiadores do século XIX ou da virada para o XX, a História da África—vivenciada ou contada—teria começado somente no momento em que os europeus passaram a manter relações com as populações do Continente. Não só pela ação de registrar e relatar, feita por viajantes, administradores, missionários e comerciantes do século XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanças introduzidas pelos europeus na África. O filósofo africano Valentin Mudimbe chamou a atenção, por exemplo, sobre as argumentações utilizadas pelos europeus para explicar as origens da técnica estatuária usada pelos iorubás, da arte do Benin e da arquitetura do Zimbabwe. Todos esses elementos de destaque da cultura africana seriam frutos de interferências de outras civilizações na África negra, e não criação africana (Mudimbe: 1988, 45). Carlos Lopes apresenta outras pesquisas neste estilo. A tendência seria, de alguma forma, preservar as afir- Anderson RibeiroOliva 438 mações de que a África não possuiria história, e de que tudo lá encontrado não passaria de uma cópia inferior ao produzido em outros lugares. Ao estudar os conhecimentos astronômicos dos Dogon nos anos 40, M. Griaule e os seus discípulos ficaram fascinados com o nível de conhecimentos existente. Recentemente, o conhecido astrônomo Carl Sagan, da Universidade Cornell, decidiu avaliar esses mesmos conhecimentosDogon, e concluiu que os “Dogon, em contrate com todas as sociedades pré-científicas, sabiam que os planetas, incluindo a Terra, giram sobre si próprios e à volta do Sol”... Como é que se pode explicar este extraordinário conhecimento científico? Sagan não duvidou um segundo que deve ter sido devido a um gaulês que atravessou aquelas paragens, e que provavelmente estava mais avançado que a ciência da época (Lopes, 1995: 23). Infere-se, portanto, que, há cinqüenta anos, investigar o passado do Continente negro ainda era uma tarefa marcada por um certo isolamento e pelo descaso. Mesmo que percebida como inovadora, por alguns, a maioria dos historiadores a julgava desnecessária ou inviável. foi condenando por muitos deles ao esquecimento ou à inferioridade. A mudança dessa perspectiva começou a ocorrer um pouco antes das lutas pelas independências, nos anos 1950 e 1960, e se estenderia até o final da década de 1970. De uma forma geral, pode- se afirmar que, na segunda metade do século XX, aconteceu uma espécie de revolução nos estudos sobre a África. As investigações se diversificaram e ampliaram suas abordagens. Em um primeiro momento, a fragmentação política do Continente forçava a construção de histórias nacionais para cada região “inventada” pelos europeus e reinventada pelos africanos. De forma geral, a independência criou, por parte de uma nova elite política e intelectual, a necessidade da elaboração das identidades africanas dentro do Continente, e deste perante o mundo. Para isso, era imprescindível retornar ao passado em busca de elementos legitimadores da nova realidade e encontrar heróis fundadores e feitos maravilhosos dos novos países africanos e da própria África. Por essa visão, o Continente possuiria uma história tão rica e diversificada quanto a européia. Segundo o filósofo africano Kwame Appiah, era preciso ter qualidades e forças em um mundo competitivo e em uma África submersa em problemas dos mais diversos tipos. Para ele, entre esses primeiros pensares pós-independência estaria o aparecimento 17 O Continente que deu vida ao próprio homem AHistória da África nos bancos escolares... 439 de ideologias que defendiam e (re)significavam a identidade africana: o pan-africanismo e a negritude. Ambas, com intensidades e objetivos diferentes, buscavam enfatizar a existência de uma identidade comum africana, que serviria como sinal distintivo e de qualificação, muitas vezes apaixonada, dos africanos com relação ao resto da humanidade (Appiah, 1997: 19-53). Essas correntes tiveram uma grande influência nos estudos ali organizados até o final dos anos 1970, e na própria articulação e crescimento dos movimentos negros do outro lado do Atlântico. Uma das principais gerações de pensadores desse grupo foi a dos intelectuais liderados pelos africanos Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Anta Diop. A maior parte dos historiadores ligados a esse movimento supervalorizou o argumento de que a África também tinha sua história. Tal iniciativa fez com que Carlos Lopes chamasse esse grupo de “Pirâmide Invertida”, ou Corrente da Superioridade Africana. Para Lopes, não seria difícil entender ou justificar este nome, já que eles estavam ligados à iniciativa de modificar as leituras e visões sobre a África, procurando redimensionar sua história, inclusive colocando-a como o ponto de partida para explicar a História Ocidental (Lopes, 1995: 25-26). As investigações deveriam, portanto, focar a África em sua própria trajetória. As histórias dos reinos e civilizações africanas foram utilizadas como exemplo da capacidade de organização, transformação e produção africanas, que em nada ficava a dever para os padrões europeus. Assim como os vestígios materiais deixados do passado—técnicas de cultivo, padrões de estética da arte estatuária, ruínas dos mais diversos matizes—foram usados para evidenciar as qualidades do Continente. No entanto, os autores que abordam o período são unânimes em afirmar que os esforços dessa vertente Um dos mais evidentes era a ação desproporcional de enaltecer as características histórico-culturais da África. A imprecisão, aqui, foi cometer o mesmo erro dos estudos europeus, só que agora não utilizando o eurocentrismo, mas sim o afrocentrismo. Em alguns estudos os africanos passaram a ser percebidos como meras vítimas das ações externas, perdendo novamente o papel como agentes históricos ( Anderson RibeiroOliva 440 toriadores, competia a eles a trabalhosa tarefa de ampliar os estudos sobre o Continente e integrar suas pesquisas às constantes inovações da historiografia mundial ( Nesse período, ficou claro que as fontes escritas não eram tão escassas para a África. Arquivos ultramarinos europeus, na própria África, além das diversas fontes em árabe, facilitavam a investigação sobre certos sistemas vigentes durante séculos na história da região. Houve também uma sofisticação do uso de metodologias no caso da tradição oral, assim como a aproximação com a Antropologia, a Lingüística e a Arqueologia, que já ocorria há algum tempo, acentuou-se. Nos últimos anos, a historiografia africana passou a ser caracterizada por estudos ligados às epidemias, ao cotidiano, às novas tendências da economia e da ciência política, da importância do regional, do gênero, da escravidão, da cultura política, das influências da literatura e de uma quase incontável diversidade de temáticas para investigação. Pesquisas realizadas por africanos e africanistas têm procurado desvendar e explicar o Continente pelas óticas sempre diversificadas das reflexões históricas. Estudos sobre o passado remoto ou recente das regiões, do processo de formação da África atual, do entendimento da diversidade de suas culturas e povos, das releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os complexos problemas a que submerge hoje o Continente foram alvo de uma quantidade avassaladora de investigações. Encontros e publicações para aqueles que se interessam pelo seu passado. Apesar dos problemas, alguns inerentes à própria situação socioeconômica da região, e às heranças e ranços historiográficos que ainda insistem em destratar ou minimizar a relevância dos estudos históricos ali desenvolvidos, as investigações aumentaram em termos quantitativos e qualitativos. De qualquer forma, e apesar dos esforços, seria precipitado afirmar que as velhas representações sobre os africanos tenham desaparecido. Talvez a viagem de Lula à África tenha sido um sinal disso. ibidem: 28).19 têm imprimido um ritmo estimulante O livro didático de História entre representações Se levarmos em consideração que a grande maioria dos autores de livros didáticos são historiadores, ou pelo menos professores deHistória, os manuais escolares—com seus textos escritos e ima- AHistória da África nos bancos escolares... 441 géticos — ganham o Da mesma forma, seria natural pensar que as mesmas serão (re)significadas pelos seus leitores, sejam eles professores ou alunos. Entendemos, portanto, que os textos e os recursos imagéticos presentes em um livro didático—mapas, figuras, fotografias, pinturas, charges ou desenhos—são produtos da interpretação e da representação de uma certa realidade pelos seus autores. Os próprios manuais guardam uma larga possibilidade de entendimento a partir do contexto no qual foram fabricados, do momento historiográfico vivenciado, das diversas demandas e influências que se apresentaram na elaboração desse tipo de material e de ideologias ou mentalidades circulantes. Ao escrever um texto sobre a formação dos Estados nacionais europeus e ignorar a multiplicidade étnica da África pré-colonial, ou utilizar imagens de africanos escravizados e brutalizados e não aquelas em que aparecem resistindo ou interagindo ao tráfico, o autor está fazendo uso de uma série de critérios: sua formação acadêmica, suas convicções ideológicas, seu contexto histórico, o público para quem está elaborado o material, a intenção das editoras, as limitações de sua formação para tratar todos os assuntos e as pressões do mercado editorial. De certa forma, seu trabalho final é o resultado de seus olhares direcionados e cheios de significados e interpretações, resultando num tipo de representação da história. O livro didático status de serem representações da História. [...] é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca [...] (Bittencourt, 1997: 72) A partir das palavras e imagens—significantes—presentes nos livros, os próprios alunos irão construir suas representações— significados — ou somente absorverão as representações elaboradas pelos autores. De acordo com Zamboni Com relação à produção do conhecimento em sala de aula, lidamos diretamente com a construção e elaboração de imaens e palavras. Neste aspecto, a compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância [...] Quando uma palavra adquire determinado significado, pode ser aplicada a outras situações: é a aplicação de um conceito a novas situações concretas, é um tipo de transferência. (Zamboni, 1998: 94-5) Entretanto, acreditamos que a construção de significados em sala de aula não se limita às palavras ou textos escritos. As ima- Anderson RibeiroOliva 442 gens, além de contribuírem para o processo de ensino-aprendizagem em História ( de os alunos olharem os indivíduos ou grupos sociais que convivem com eles. ibidem: 75), também informam uma maneira A imagem enquanto representação do real estabelece identidade, distribui papéis e posições sociais, exprime e impõe crenças comuns, instala modelos formadores, delimita territórios, aponta para os que são amigos e os que se deve combater. (Meireles, 1995: 101) Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana, européia ou brasileira for acostumada a estudar e valorizar apenas ou majoritariamente elementos, valores ou imagens da tradição histórica européia elas irão construir interpretações ou representações influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a História da África em uma condição negativa, existe uma tendência da criança branca em desvalorizar os africanos e suas culturas e das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou rejeitarem suas identidades. 20 Tentaremos, neste artigo, realizar um exercício inicial sobre essas questões. Um estudo de caso: a África na Mario Schmidt Nova História Crítica de “Muitos brasileiros de hoje descendem de povos africanos. Por isso, conhecer a história da África nos faz conhecer nossa própria história”. É com esse parcial Schmidt volume de sua coleção intitulada maiores reflexões sobre o tema que se registre o elogio. Juntamente com outras poucas coleções, esta é uma das obras que dedica um espaço exclusivo para tratar o Continente. Quase sempre, a África aparece em óbvias passagens daHistória do Brasil ou Geral, ligada à escravidão, ao domínio colonial no século XIX, ao processo de independência e às graves crises sociais, étnicas, econômicas e políticas em que mergulhou grande parte dos países africanos formados no século XX. A África torna-se um apêndice ou um complemento. São poucos os livros que dão destaque à Por razões que talvez espelhem as defasagens da formação acadêmica e do mercado editorial, e as circunstâncias específicas da elaboração de um livro didático, o autor do manual incorreu em 21 argumento que Mario Furley22 inicia o décimo primeiro capítulo (África) do segundoNova História Crítica. Antes deHistória da África. AHistória da África nos bancos escolares... 443 algumas imprecisões—que têm sido comuns quando o assunto é abordado. Mesmo citando uma literatura clássica sobre a historiografia africana, e apesar de vários aspectos positivos de seu texto, observar os desvios cometidos motivam a análise sobre a questão. Voltemo-nos a elas. Apesar do título da coleção, o livro de Schmidt demonstra ter uma inquestionável influência “marxista”. O vocabulário empregado em certas passagens ao longo dos capítulos, e da própria Introdução História —, evidenciam uma abordagem marcadamente econômica dos temas e o uso de conceitos como o de luta de classes, ancorando parte de sua narrativa nos antagonismos entre dominados e dominadores, capitalistas e proletariados, senhores e escravos. Mesmo que, no como referencial teórico, e nas temáticas abordadas dê uma atenção especial a aspectos culturais, a influência dos pressupostos da Nova História Francesa ou da História Social Inglesa é limitada. Seu texto possui uma base “marxista” e que ao poucos vai incorporando as pesquisas e idéias oriundas das novas concepções historiográficas. Na realidade, soma-se a um grande grupo de livros que se encontram em uma espécie de transição. No que concerne ao estudo da História da África, o volume aqui analisado guarda algumas singularidades e alguns lugares comuns. No Schmidt procura justificar a inserção de um capítulo deHistória da África na sua coleção. da série — uma espécie de Introdução ao Estudo daManual do Professor, o autor cite a História SocialManual do Professor, que vem separado do livro didático, Eis aqui um tema freqüentemente negligenciado por nosso ensino. Falta mais grave quando sabemos que todos os brasileiros são culturalmente descendentes dos africanos. Como falar de um assunto tão vasto em tão pouco espaço? Preferimos nos concentrar em alguns aspectos fundamentais. Primeiro, mostrar aos alunos que os “africanos” são na verdade diferentes uns dos outros (e apenas alguns desses povos vieram como escravos para o Brasil). Segundo, rejeitar os clichês próprios de filmes, desenhos animados e quadrinhos etnocêntricos, ao estilo Tarzan e Fantasma. Procuramos transmitir nosso próprio sentimento de encanto e surpresa com as maravilhosas criações dos povos africanos: as pirâmides de Méroe, a vida intelectual agitada em Tombuctu, as geniais esculturas iorubás, o imponente e misterioso grande Zimbábue. (Schmidt, 1999b: 24) Se, de fato, é um tema negligenciado pelo nosso ensino, por que o autor alerta que sua abordagem será restrita, se sua intenção é valorizar ou minimizar o esquecimento daHistória da África que Anderson RibeiroOliva 444 fizesse uma análise efetivamente abrangente. Como veremos logo a seguir, se sua coleção possui espaço para tratar a Reforma Religiosa européia em catorze páginas, por que reservar apenas dez para toda a África pré-colonial? Escolha do autor? Da editora? Do mercado consumidor? Dos currículos? Tais questões nos fazem percorrer rapidamente o citado volume realizando um balanço das páginas dedicadas aos assuntos. É revelador o grande espaço reservado às temáticas oriundas de uma abordagem eurocêntrica da História, e as restrições a que são submetidas aHistória da América e da África. Por exemplo, enquanto os capítulos que tratam de temas como EuropaMedieval, AbsolutismoMonárquico, Renascimento Cultural e Construção do Pensamento Moderno Ocidental quinze, vinte e dezoito páginas e vasta bibliografia, a História da América pré-colombiana, América Espanhola e História da África 23 possuem respectivamente vinte, 24 apoio restrita. Ou por falta de conhecimento ou de interesse, a escolha foi feita no sentido de conceder menor atenção para essas temáticas. Com relação à História da África, a bibliografia citada, apesar de conter nomes importantes da historiografia africana, é ainda bastante restrita se comparada à difusão de estudos e pesquisas que a História da África passou nos últimos vinte anos. A presença dos trabalhos de Basil Davidson, Roland Oliver, Joseph Ki-Zerbo demonstra o contato com a vertente de estudos efetuados até a década de 1970. Já a citação da obra de Alberto da Costa e Silva revela um pequeno contato com os novos estudos, porém, a referência é ainda insuficiente. possuem, cada uma, onze, dez e dez páginas, e literatura de25 Fora o capítulo específico sobre a África, ela transita em outras partes do volume. No capítulo 5 — “A ExpansãoMarítima” -, o Continente é retratado ora como um obstáculo a ser superado para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente, ora como uma fonte de riquezas naturais — ouro, marfim — ou de oferta de mão-de-obra — os escravos. Apesar de tantos riscos, de tantas incertezas, aqueles bravos homens toparam o desafio. E fizeram o que nenhum outro europeu havia conseguido antes: contornar o litoral da África, alcançaram o Oriente pelo mar e chegaram à América. E tudo em apenas algumas décadas! (Schmidt, 1999: 94) Ao contornar a África, os portugueses observavam o que podiam. Na África haviam interessantes riquezas: o marfim, por exemplo, o precioso dente do elefante, que servia para fazer objetos de luxo. Na Guiné, uma AHistória da África nos bancos escolares... 445 região ao sul do deserto do Saara, era possível obter ouro em boas quantidades... A África também tinha algo que atraiu a cobiça européia: seres humanos ( ibidem: 102). Um ponto de destaque no capítulo é a citação sobre o viajante muçulmano Ibn Battuta, que percorreu grande parte da África setentrional deixando em sua obra, Viagens, 26 suas observações pessoais. Com relação, ao que ele menciona sobre Ibn Battuta, alertamos para as imprecisões e a pequena relevância concedida a sua passagem sobre a África, já que Schmidt cita suas impressões acerca da Ásia. Neste mesmo capítulo, o autor transita entre outros acertos e desacertos. Quando trata das relações da África com o mercantilismo europeu e a sua integração aoMundo Atlântico o autor utiliza corretamente uma imagem feita por um grupo étnico que habitava o Benin, representando os europeus que chegavam ao Continente. A postura mercantil-bélica fica evidente na pequena estatueta. Alertar para as representações feitas de europeus pelos diversos grupos africanos é um exercício fecundo para que os alunos passem a reconhecer a diversidade cultural e a autonomia dos grupos humanos da África. Normalmente, o que ocorre é a reprodução das representações elaboradas pelos europeus sobre os africanos. Porém, ao analisar os efeitos da escravidão nas populações africanas, o texto revela uma frágil preocupação com o contexto histórico da época, sendo evidentemente carregado de juízos de valor e de um grave anacronismo. informações coletadas pelas Anderson RibeiroOliva 446 (Schmidt, 1999: 102) (Schmidt, 1999: 102) Por incrível que pareça, alguns papas chegaram a autorizar a escravização dos africanos. A Igreja Católica alegava que essa era uma maneira de fazer os africanos “abandonarem as religiões do diabo e conhecerem o cristianismo”. (Schmidt, 1999:102) Ao exigir da Igreja Católica do período uma postura contrária à que historicamente manteve, o autor desconsiderou as perspectivas teológicas e temporais do Catolicismo. A idéia de que a Igreja foi omissa ou permissiva não condiz com as práticas e posturas do Vaticano à época, são reflexões que encontram eco apenas a partir dos olhares contemporâneos. os elementos que embasaram as bulas papais que autorizavam os reis portugueses a escravizar eternamente os muçulmanos, os pagãos e os africanos negros, foram retirados de um imaginário maior, no qual o negro e os infiéis eram tipificados como inferiores aos homens da cristandade européia. o uso pouco adequado de uma imagem ilustrando a relação da Igreja com a escravidão.Nela é reproduzido o estereótipo do negro passivo, submisso e sofredor. Já no capítulo 13, “O Escravismo Colonial”, Schmidt incorre em erros tradicionais à literatura didática. Um dos mais “clássicos” é se referir à África apenas a partir do tráfico, como se o Continente não tivesse uma história anterior à escravidão atlântica. Schmidt não repete este deslize, porém, ao reproduzir o mapa do tráfico de escravos volta a uma antiga divisão, na qual a África se encontra separada em duas ou três faixas étnico-geográfico-lingüísticas de onde sairiam os escravos. A diversidade e complexidade dos povos africanos ficam nubladas ao realizarmos este imperfeito fatiamento da África. Os alunos, ao terem contato com está simplista leitura passam a reproduzi-la, transformando milhares de grupos étnicos em outros dois— livro procura estabelecer uma outra divisão, na qual, usando ainda uma fusão de grupos lingüísticos com espaços físicos, opta por denominar as regiões do tráfico em África deGuiné, Costa daMina e Angola, de onde viriam os “congos” e os “angolas”. Parece que soma voz às leituras científicas do século XIX que percebiam os africanos subsaarianos como iguais, em sua simplicidade e inferioridade. Ao fazer referência do uso da escravidão noMundo Atlântico e das motivações econômicas que alimentaram o tráfico negreiro, duas posturas do autor incomodam. Primeiro, ele não faz alusão explicativa à escravidão tradicional africana, como se a escravi- 27 Não podemos esquecer que28 Soma-se a esse quadro passionalbantos e sudaneses.Oautor do AHistória da África nos bancos escolares... 447 dão fosse uma invenção árabe ou européia naquele Continente. 29 das profundas diferenças entre a escravidão praticada pelos africanos e aquela utilizada sob influência dos árabes ou europeus, seria fundamental um comentário sobre o tema. Segundo, ao tentar situar o aluno perante as relações das práticas materiais com as mentalidades de um certo período, a análise do autor se reveste de um perigoso anacronismo. Schmidt afirma que, mesmo sendo apoiada pela Igreja, governos, comerciantes, políticos, fazendeiros e pela mentalidade da época, em sua própria essência e nunca poderia ter sido justificada. O autor perde os limites temporais e os critérios do relativismo, fazendo com que o aluno visualize uma história na qual todos devem ter como valores e referências de vida os padrões ocidentais atuais. Mesmo sabendo30 a escravidão era injusta Além das necessidades econômicas, existia a mentalidade da época. A escravidão não era escandalosa como é hoje. Até mesmo os padres tiveram escravos. Já pensou se alguém disser que temos de aceitar as injustiças sociais de hoje porque no futuro alguém vai falar que no nosso tempo “as injustiças eram normais?” (Schmidt, 1999: 213). De forma parecida, não existem menções aos africanos traficantes. Para o autor, somente os comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses e brasileiros fizeram parte das redes de lucro oriundas de tal atividade. A participação de africanos no comércio de homens é simplesmente ignorada ( Com relação ao capítulo 11, “África”, algumas considerações gerais a realizar. Schmidt se esforça em legitimar o estudo da África, o que não deixa de ser um ponto louvável. Porém, o critério por ele eleito nos parece falho. Ao citar os grupos étnicos africanos que foram estudados, o autor utilizou uma difundida idéia entre os historiadores africanos ibidem: 205 e 211). Anderson RibeiroOliva 448 (Schmidt, 1999: 205) pertencentes à chamada corrente da “Superioridade Africana”, 31 que no período próximo —anterior e posterior—às independências utilizaram padrões ou referências europeus para afirmar ao mundo e aos próprios africanos que a História do Continente negro possuía elementos sofisticados e formas de organização avançadas, e que deveriam ser estudadas. Neste sentido, encontrar os grandes “impérios”, as grandes construções e as esplendorosas obras de arte tornou-se quase que uma obsessão. era e é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de fecunda participação na História geral, não seria preciso eleger padrões europeus para sua afirmação. Esta crítica já foi feita, com grande pontualidade, a alguns daqueles historiadores. Porém, Schmidt parece desconhecê-la, pois é justamente esse o critério eleito pelo escritor para selecionar o que será estudado no capítulo. 32 Porém, se a África Quem não admira o povo do rioNilo, das múmias, dos faraós, que escrevia livros de Matemática e construía pirâmides? A maioria dos egípcios antigos eram africanos e tinham a pele negra ou mulata. O que é mais uma prova contra as pessoas racistas que teimam em dizer que “os negros não foram capazes de formar uma grande civilização”. Acontece que o Egito não foi a única grande civilização da África. Existiram muitas outras. É o que descobriremos a partir de agora (Schmidt, 1999: 177). Como se os “pequenos” grupos não tivessem relevância, ou diante da impossibilidade de atentar para os milhares de grupos que se espalham pela África, a seleção ocorreu se espelhando na História da Europa: o estudo das grandes civilizações ou reinos. Não é isso que realizamos com relação ao ensino da História? Não elegemos a Civilização Grega, o Império Romano, o Império Bizantino, a Civilização muçulmana? Não ignoramos a existência em África de organizações políticas ou sociais, com grandes semelhanças às européias ou americanas, mas é preciso que se demonstre e enfatize suas singularidades e especificidades. Com relação à forma de denominar ou identificar as etnias africanas, o uso de alguns termos ou conceitos como nação ou civilização parece ser por demais impreciso, diante do grande suporte que as pesquisas antropológicas e históricas já deram sobre o assunto. Soma-se a isso uma abordagem muitas vezes simplista e restrita a descrições da economia ou da formação política de reinos como o da Núbia — civilização Kush —, de Gana, do Mali, do Kongo e do Ndongo e de etnias como a dos hauças, iorubás, ibos, askans e ajas. Fica evidente que o autor encontra dificuldades em tratar os grupos étnicos africanos, e confunde ainda mais os alunos AHistória da África nos bancos escolares... 449 ao usar termos ou definições que se ajustam mais especificamente ao contexto histórico europeu ou de outras regiões do que ao africano. Não que não possam ser aplicados no entendimento da África, mas, se utilizados, devem ser contextualizados. Porém, neste caso, o uso de pouco didática. É o que ocorre, por exemplo, ao tentar explicar que eram os hauças, da África Ocidental. civilização, nação e povo como sinônimos é uma postura A [...] Os hauças eram, na verdade, diversos povos que falavam uma língua semelhante. Habituados ao comércio internacional, os hauças aceitavam conviver com pessoas de outras civilização dos hauças começou a ser construída por volta do século XInações [...]. (Schmidt, 1999:179-180) Outra confusão acerca da questão ocorre quando o autor refere- se aos iorubás.Na África, esse grupo passou apenas a se identificar dessa forma por volta do século XVIII. Até então eles se auto- identificavam de acordo com a origem de suas cidades ou pequenos reinos: Oyo, Ifé, Ijexá, Ketu, Ijebu. No Brasil, foram chamados, de uma forma geral, de nagôs. São praticamente inexistentes as referências que denominam os iorubás na África como nagôs. Porém, Schmidt parece desconhecer este dado. Muitos habitantes do povo ioruba vieram escravizados para o Brasil, a partir do século XVIII. Era comum chamá-los de nagôs, embora na verdade os nagôs fossem apenas os iorubás estabelecidos onde hoje está o Benin. ( ibidem: 181) Quando passa a descrever algumas características gerais das civilizações africanas eleitas para estudo, o autor volta a incorrer em desacertos. Por exemplo, ao citar a cidade de Tombuctu, no Mali, Schmidt ressalta a importância cultural e comercial da região, mas insere no texto e nos seus comentários conceitos ou termos que só poderiam ser aplicados em outros contextos. É o que acontece quando ele faz referência à Tombuctu como um centro de comércio internacional. Essa famosa cidade tinha dezenas de milhares de habitantes e uma das maiores universidades do mundo. Era também um grande centro de comércio internacional. Vendiam-se até livros escritos em árabe que abordavam assuntos comoMedicina,Geometria, Religião, Poesia eHistória. ( ibidem: 179) Podemos perguntar: onde estavam as momento, já que partimos da premissa de que o comércio nações africanas naquele Anderson RibeiroOliva 450 internacional ocorre entre nações. Ao mesmo tempo, era de se esperar que a conversão de parte das populações da área ao islamismo fizesse da leitura do Alcorão e de outros textos em árabe uma prática comum. Por que então o espanto do autor ( livos... Ocorreram também imprecisões e simplificações, ao descrever a cultura material dos “reinos” do Kongo e Ndongo. O autor poderia ter enfatizado a relevância da metalurgia e o circuito comercial que envolvia as atividades econômicas da região, mesmo que não fosse a atividade econômica principal. Porém, ele segue o caminho da simplificação: “A organização social dos reinos Kongo e Ndongo era semelhante. Produziam ferro e sal, criavam galinhas, cachorros e cabritos” ( Alguns deslizes mais graves demonstram a pouca preocupação do autor em permitir a construção de conhecimento e análises por parte dos alunos. Ele antecipa essa ação e incorre emarriscadas afirmações. Isso se torna claro em passagens nas quais Schmidt tece considerações sobre o poderio militar/econômico e as práticas da cultura material de alguns grupos africanos. As imprecisões variam entre a emissão de juízos de valor e a realização de leituras anacrônicas. Ao tratar dos conflitos entre o Abomei (Daomé) e os iorubás, Schmidt comenta uma das conseqüências do conflito: “Infelizmente grande parte das riquezas do reino Abomei vieram do comércio de escravos” ( que? Algo parecido repete-se ao citar uma das características “comuns” às culturas do reino do Kongo e do Ndongo, na qual transparece uma ação “moralizadora” ocidental despropositada em evidenciar o consumo de bebidas alcoólicas na região. Vendiam-se até)?ibidem: 181).idem). Infelizmente para quem? E por O vinho feito de palmeira era muito apreciado, embora fizesse muito mal à saúde quando bebido exageradamente. O guerreiro bêbado era fácil de ser derrotado, o sábio bêbado não passava de tolo. ( idem) Interessante notar que a mesma crítica não ocorre com relação aos europeus. Outra limitação evidente é concentrar a análise na costa ocidental do Continente, reservando um pequeno parágrafo à África oriental, que é assim apresentada. No litoral oeste da África, banhado pelo oceano Índico, muitas cidades- estados se desenvolveram em função do comércio internacional. Mercadores árabes e chineses traziam seus produtos em troca de ouro, marfim e cobre. As escavações dos arqueólogos já encontraram até mes- AHistória da África nos bancos escolares... 451 mo, vasos de porcelana chinesa antiga! (Também existem pinturas chinesas antigas representando girafas africanas) ( ibidem: 182) No que se refere às cosmologias africanas, em nenhum momento o autor atenta para uma abordagem explicativa da relação entre as diferentes percepções e definições daquilo que os ocidentais chamam de religião para as elaborações africanas sobre a questão. A literatura existente sobre o pensamento tradicional religioso africano oferece um rico subsídio para este debate, na minha opinião, fundamental para relativizar o universo africano e demonstrar como suas estruturas de explicação das relações sociais e de suas cosmovisões são diferentes das ocidentais. 33 Schmidt incorre também em comprometedoras simplificações. Muitos povos africanos desenvolviam o culto aos antepassados. Os parentes mortos eram adorados como deuses por seus familiares, que acreditavam que os espíritos podiam ajudar ou perturbar o cotidiano dos vivos. Por isso, era comum jogar-se um pouco de bebida na terra para que o espírito do parente morto pudesse beber e se alegrar. [...] Uma parte importante dos africanos acreditava num único Deus: eles se tornaram muçulmanos. ( ibidem: 183) No primeiro exemplo se empresta ao universo africano algumas práticas que, se ocorriam em certas regiões do continente, possuíam significados singulares e complexos, comuns às tradições afro-brasileiras, sem maiores explicações ou detalhamentos. Já, na segunda citação fica uma inquietante dúvida: que parte importante dos africanos era monoteísta? E esse é o único elemento que possibilitou a conversão ao islamismo? Não podemos ignorar o fato de que o fenômeno religioso em África não tem as mesmas bases do que oOcidental. Por isso, para os povos da região seria mais adequado usar o termo cosmologia e não religião. Além disso, é difícil identificar este número tão grande de sociedades que “adoravam apenas um deus”. Destaca-se, no entanto, a citação do orixá Exu, divindade- chave do panteão iorubá, e que foi confundida e sincretizada pelos missionários cristãos tanto em África como na América como a figura do Diabo, da tradição judaico-cristã. Schmidt chama a atenção dos alunos para as faces africanas do orixá, mesmo que de forma superficial se afastando dos significados e funções de Anderson RibeiroOliva 452 (Schmidt, 1999: 183) maior destaque emprestados ao orixá pelos iorubás, mas evitando estereótipos e ocidentalizações. No uso das imagens, Schmidt parece se sair um pouco melhor, apesar das citações de fontes imprecisas ou ausentes. A apresentação do capítulo, com um conjunto de máscaras africanas, é bastante estimulante, assim como o mapa da África presente na página seguinte, que incorre, como ele mesmo alerta, em algumas imprecisões temporais, mas foge das representações cartográficas tradicionais dos manuais. As presenças de imagens da Mesquita de Sexta-feira, em Mopti, da cidade de Tombuctu, no Mali, do Grande Zimbabwe, assim como de esculturas feitas pelos iorubás e no Daomé, são importantes instrumentos na apresentação das formas arquitetôni- AHistória da África nos bancos escolares... 453 (Schmidt, 1999: 176 e 177) Mesquita no Mali (Schmidt, A cidade de Tombuctu ( 1999: 179) idem) cas, das religiosidades, artes e filosofias africanas. Da mesma forma, o autor inova traçando uma linha do tempo com os principais momentos da História do Continente. Schmidt também procura chamar a atenção dos alunos para as representações dos africanos feitas pelos europeus. A mudança Anderson RibeiroOliva 454 O Grande Zimbabwe (Schmidt, 1999: 182) As artes do Benin e ioruba ( ( ( ibidem: 180 e 181)idem)idem) da fisionomia dos africanos, de seus gestos, roupas e comportamentos, que recebem feições européias, é destacada pelo autor. A demonstração do preconceito europeu com o Continente, ou o olhar eurocêntrico que marcava a relação entre as partes citadas, pode se tornar uma abertura para o palco de debates e reflexões sobre a temática do racismo, da discriminação e da intolerância. No final do capítulo, Schmidt demonstra sua preocupação em articular os conteúdos históricos estudados com o contexto presente. Porém, a imagem que ele transmite aos alunos da África contemporânea é simplista e falsa. Ninguém desconhece as dificuldades e carências do Continente, mas resumir a África a essas faces é um perigoso argumento. “Hoje em dia, os países da África são pobres e a população passa por grandes necessidades” (Schmidt, 1999: 183). Reflexões Acredito que, percorrido esse breve caminho sobre a abordagem daHistória da África em nossos bancos escolares, temos ainda não respondida a questão que introduz o artigo—“o que sabemos sobre a África?”. Talvez demore mais algum tempo para que possamos — professores e alunos — fazê-lo com desenvoltura. Porém, fica evidente que ensinar a História da África, mesmo não sendo uma tarefa tão simples, é algo imperioso, urgente. As limitações transcendem—ao mesmo tempo em que se relacionam—os preconceitos existentes na sociedade brasileira, e se refletem, de um certo modo, no descaso da Academia, no despreparo de professores e na desatenção de editoras pelo tema. Por isso, não sei se aquela pergunta ainda uma tem resposta aceitável. É obvio que muito se tem feito pela mudança desse quadro. Louve-se, nesse sentido, a ação de alguns núcleos de estudo e pesquisa emHistória da África montados no Brasil, como o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federalda Bahia, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos e o Centro de Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade CandidoMendes (UCAM), e o Centro de Estudos Africanos, da USP. Enalteça-se a iniciativa legal do governo, do movimento negro e de alguns historiadores atentos à questão. Ressalte-se a ação de algumas instituições e professores que têm promovido palestras, cursos de extensão e oferecido ou proposto cursos de pós-graduação emHistória da África, como na UCAM e na Universidade de Brasília (UnB). Porém, ainda exis- AHistória da África nos bancos escolares... 455 tem grandes lacunas e silêncios. A obrigatoriedade de se estudar África nas graduações, a abertura do mercado editorial — traduções e publicações—para a temática, até a maior cobrança de História da África nos vestibulares são medidas que tendem a aumentar o interesse pela História do Continente que o Atlântico nos liga. Talvez assim, em um esforço coletivo, as coisas tendam a mudar. Incursionar sobre o ensino de História da África parece se algo tentador, motivador e necessário. Esperamos que o presente trabalho venha a contribuir na melhoria e continuidade de algumas iniciativas aqui abordadas, sempre objetivando à formação humana e o reconhecimento do Continente que se conecta conosco pelas fronteiras Atlânticas. Notas 1. Sobre a temática ver os ótimos trabalhos de Nadai (1992),Munaka (2001), Fonseca (1993) e Diehl (1999), presentes na bibliografia. 2. Estamos nos referindo às importantes experiências com o ensino temático ocorridas no estado de São Paulo e em outras partes da Federação nos anos oitenta. Naquela oportunidade, os debates de (re)elaboração dos currículos deHistória nas Secretarias de Educação levariam à constatação de que o modelo de ensino até então adotado era insustentável e que era imperiosa a confecção de uma nova abordagem para a História ensinada nas escolas. Porém, neste momento, tirando os debates iniciais sobre a Nova História francesa que ocorriam na UNICAMP e na USP, o Brasil não possuía, nas graduações e nas pesquisas históricas, elementos suficientes para ancorar tal perspectiva. Já nos anos noventa o quadro era outro. Tanto as graduações como as pós-graduações já estavam voltadas para as temáticas comuns àNovaHistória, àHistória Social e à História Cultural, possibilitando uma “transferência” mais coesa dessas perspectivas para o ensino da História. 3. Sobre o tema ver o artigo escrito por Pereira (2001). 4. Como da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. 5. Citamos, como exemplo, o núcleo regional da ANPUH-RS, com seu Grupo de Trabalho (GT) sobre Ensino de História e Educação. 6. Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. 7. Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003. “Art. 26-A.Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo daHistória da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”. Anderson RibeiroOliva 456 8. A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções de livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As obras são as seguintes:Mozer (2002), Rodrigue (2001),Macedo (1999),Dreguer (2000) e Schmidt (1999). 9. A viagem ocorreu no mês de novembro de 2003. 10. Entre os vários pesquisadores que dissertaram sobre a trajetória da historiografia africana e pensaram as questões acerca das representações encontramos nomes como Joseph Ki-Zerbo,Djibril Tamsir Niane, Elikia M’Bokolo, Kwame Appiah, Franz Fanon, Carlos Lopes, José da Silva Horta, John Fage e Philip Curtin. 11. Para CarloGinzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas uma certa ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos acerca da questão. Para alguns a representação “faz as vezes da realidade”, lembrando sua ausência. Para outros, ela “torna visível a realidade representada e, portanto, sugere sua presença”. Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente uma representação e seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se confundir com o que é representado, não sendo mais percebida como um instrumento de ligação, para ser o próprio objeto que está sendo representado. Ocorreria, portanto, uma oscilação entre evocação e substituição do que é representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger Chartier “[...] nenhum texto—mesmo aparentemente mais documental [...]— mantém uma relação transparente com a realidade que apreende. O texto, literário ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja, como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras de funcionamento, que remetem para as suas próprias condições de produção” (Chartier, 1988: 63). 12. Fanon nasceu na ilha deMartinica, na América Central, em 1925. Até sua morte, em 1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África. 13. Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências: Políbio, séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco, séc. II. 14. Desde da Antigüidade os escritos de viajantes ou “historiadores”, como Heródoto e Plínio, o Velho, fazem referência à África. No medievo, a teoria camita e a fusão da cartografia de Cláudio Ptolomeu com o imaginário cristão, relegam a África e os africanos às piores regiões da Terra. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África abaixo do Saara os estranhamentos e olhares simplificantes e reducionistas continuam. No século XIX, a ação das potências imperialistas no continente e a difusão das teorias raciais reforçam os estigmas já existentes sobre a região. 15. O conceito de tradicional aqui utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande parte das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanças sem maiores transtornos. Sobre a temática ver a obre de Appiah (1997). 16. Estas idéias foram expostas numa série de cursos apresentados pelo professor, intitulada “The Rise of Christian Europe”. Ver Fage (1982) 17. Mais à frente apontaremos os motivos disso. 18. A referência aos citados grupos de estudos sobre a áfrica hora como “grupos”, hora como “vertentes”, não ocorre por um descaso nosso, mas é apenas uma forma de de- AHistória da África nos bancos escolares... 457 monstrar a flexibilidade de classificação ou ordenamento de trabalhos utilizados em nossa pesquisa. 19. Desde os anos 1960, acontecem encontros e congressos sobre as mais diversas temáticas e investigações sobre a África. Porém, nos últimos quinze anos, esses eventos atingiram uma dimensão significativa, contando com um grande número de participantes e de pesquisas divulgados. Podemos citar alguns de maior relevância como o Colóquio de Construção e Ensino da História da África, as Reuniões Internacionais d História de África, os Congressos Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, os Seminários Internacionais sobre a História de Angola, o African Studies Association (ASA), nos EstadosUnidos; oWest African Research Association (WARA), no Senegal e nos Estados Unidos; o Women in Africa and African Diaspora (WARD), nos Estados Unidos; e o Association Canadienne dês Études Africaines (ACEA/CAAS), em Toronto. As publicações também têm tido um crescimento quantitativo e qualitativo de destaque, seja em obras coletivas, seja na divulgação de investigações e reflexões individuais. Ver Bibliografia. 20. Sobre a temática ver Silva (1995). 21. A História da África é um tema obrigatório e de grande fecundidade reflexiva, mesmo sem suas vinculações com a história do Brasil. 22. Autor de uma das novas séries de livros didáticos de História lançadas na segunda metade da década de 1990. 23. Na mesma ordem capítulos 3, 6, 10 e 16. 24. Respectivamente os capítulos 7, 15 e 11. 25. Um comentário mais específico dessas obras exigiria um esforço que não se adequaria a nossa proposta. 26. Ibn Battuta, 27. De novo alertamos que, não estamos desconsiderando os esforços de alguns missionários, religiosos ou teólogos contrários à escravidão. Apenas evidenciamos o debate político-diplomático-religioso de esferas hierárquicas maiores acerca da questão ou que se tornaram características gerais da Igreja. 28. Acerca da questão, ver o trabalho de Lopes (1995). 29. No capítulo 11, página 180, o autor separou um subtítulo—“A escravidão negra” Viagens. Tradução francesa de M. G. Slane, 1843.— para tratar da relação entre os africanos e a citada instituição. Porém, ele não menciona, de forma explicativa, a escravidão tradicional africana. Sobre o assunto, ver os seguintes trabalhos: Selma Pantoja (2000), Paul Lovejoy (2002), Patrick Manning (1988) e Alberto da Costa e Silva (1992). 30. Por motivos que transcendiam o fator econômico, já que o africano era percebido como inferior e pagão/infiel, podendo ser alvo da ação missionária e salvadora dos ocidentais. 31. O historiador guineense Maria Difuila organizou uma nova classificação para a historiografia africana, passando a dividi-la em três fases: corrente da Inferioridade Africana; corrente da Superioridade Africana; e os novos estudos africanos. Com relação à corrente da Superioridade Africana uma de suas principais características era supervalorizar o continente, ora utilizando categorias européias, no estudo de antigas civilizações africanas, ora afirmando a superioridade da África em relação ao mundo. Ver Difuila (1995). Anderson RibeiroOliva 458 32. Sobre a questão ver os trabalhos de Philip Curtin (1982), Manuel Difuila (1995) e Carlos Lopes (1995). 33. Sobre o assunto ver as obras de Appiah (1997), Horton (1990), Ray (2000) e Mbti (1977). Referências Bibliográficas ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (2003). metodologia APPIAH, Kwame Anthony (1997). BHABHA, Homi (2003). BIRMINGHAM, David (1995). “History in Africa”. História de África BIRMINGHAM, David (1992). BITTENCOURT, Circe (org.) (1997). “Livros didáticos entre textos e imagens”. Bittencourt (org.), CHARTIER, Roger (1988). CORREIO BRAZILIENSE, 8 de novembro de 2003, p.2. COSTA E SILVA, Alberto (1992). de Janeiro, Nova Fronteira. (2002). Nova Fronteira. (2003). Nova Fronteira. CURTIN, P. D. (1982). “Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral” Paulo/Paris, Ática/Unesco. DEL PRIORE,Mary&VENÂNCIO, Renato (2004). da África Atlântica DIEHL, Astor Antônio; CAIMI, Flávia Eloísa & MACHADO, Ironita (orgs.) (1999). Ensino de história: conceitos, temáticas e. Rio de Janeiro, Casa da Palavra; FAPERJ.Na casa de meu pai. 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Porém, no caso desses novos his- 18 resvalaram em erros anteriormente cometidos.ibidem: 24-26).